Nova Definição de Museus do ICOM abrange conceitos de sustentabilidade, inclusão, diversidade e garantia de direitos

Postado em: 22 de setembro de 2022 | Notícias

Demandas da contemporaneidade, como a sustentabilidade, a promoção da diversidade, o combate ao racismo e à homofobia, a inclusão e a garantia de direitos das pessoas com deficiência, estão contempladas na Nova Definição de Museus. O documento foi aprovado na 26ª Conferência Geral do ICOM (sigla inglesa para Conselho Internacional de Museus), realizado em Praga (República Tcheca) no fim de agosto. No total, o evento contou com representantes de 118 países, incluindo o Brasil.

A nova definição de museu é resultado de um processo longo de discussões que vinham ocorrendo desde 2015. Após a tentativa frustrada de votação na Conferência de Quioto em 2019, foi estabelecida uma nova metodologia colaborativa que durou mais de dois anos e envolveu milhares de profissionais de todo o mundo.

Com aprovação de 92% dos participantes da assembleia geral extraordinária do ICOM, o novo texto estabelece que: “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade, que investiga, coleciona, preserva, interpreta e expõe o patrimônio material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus promovem a diversidade e a sustentabilidade. Atuam e se comunicam de forma ética, profissional e com a participação das comunidades, oferecendo experiências variadas de educação, fruição, reflexão e troca de conhecimentos”.

Participação brasileira

O Brasil teve grande presença nesse processo, com participação massiva de especialistas do país nos debates promovidos pelo ICOM Brasil sobre a nova definição de museus.

Assim como em outras nações, o conselho brasileiro realizou consulta pública à comunidade museal do país para estabelecer sua contribuição ao novo texto. No total, mais de 1,6 mil pessoas participaram da iniciativa, individualmente ou por meio de debates promovidos por 62 grupos da área em diferentes regiões brasileiras.

Além disso, o Brasil participou diretamente do comitê internacional criado com o objetivo de organizar a revisão da definição de museus, sendo representado pelo museólogo brasileiro Bruno Brulon Soares, que atuou como co-coordenador do grupo.

Para a presidente do ICOM Brasil, Renata Motta, o novo texto traz alterações relevantes para o entendimento das instituições museológicas na contemporaneidade. “É a primeira mudança significativa da definição de museus em 50 anos, incorporando conceitos relacionados aos desafios contemporâneos, tais como acessibilidade, inclusão, diversidade e sustentabilidade”, afirma. A especialista também lembra que, pela primeira vez, a definição de museus “inclui explicitamente a dimensão de educação, para a qual houve mobilização importante de profissionais de setores educativos de museus brasileiros”.

As respostas dos participantes dentro da Consulta pública à comunidade museal foram analisadas quantitativamente e qualitativamente pelo GT Nova Definição de Museus do ICOM Brasil, resultando em 20 termos, enviados posteriormente ao conselho internacional. Confira abaixo:

Antirracista – Postura que visa combater e romper o racismo estrutural e o seu processo histórico institucional por meio de práticas e valores a superar a colonialidade.

Bem-viver – Refere-se à promoção da convivência e da saúde e ao cultivo de relações de solidariedade, reciprocidade, respeito e valorização de todas as formas de vida.

Comunicar – Colocar-se em relação com a sociedade, dialogando de forma multidirecionada sobre a memória, o conhecimento e a vida em suas mais variadas formas.

Cultura – Possibilidade de comunicar símbolos, signos e significados, ideias e comportamentos criados pelos grupos sociais e que permitem a construção de identidades.

Decolonial – Postura e práticas de combate às opressões materiais, simbólicas, raciais e de gênero, que resultam da colonização e subalternização dos povos e de seus saberes.

Democrático – Comprometido com valores e práticas equitativas, valorizando diferenças, conflitos, memórias e negociações de saberes e sensibilidades.

Direitos humanos – Compromisso com os processos sociais de luta pelas condições materiais e imateriais que asseguram a existência digna de indivíduos e grupos.

Educação – Conjunto de práticas, valores, conhecimentos e metodologias concernentes ao processo educativo, permitindo a aprendizagem, a experimentação e a mediação com o patrimônio musealizado.

Experiência – Compromisso com a potência transformadora de experiências individuais e coletivas no campo sensorial, subjetivo e simbólico nas fronteiras da arte, ciência e vida.

Futuros – Possibilitam a imaginação, experimentação, conhecimento e inovação, explorando oportunidades e desafios em co-criações de novas realidades.

Inclusivo – Combater por meios e ações a exclusão, garantindo igualdades de condições de acesso e participação a todos.

Instigar – Estimular sentimentos e reflexões para que pessoas e comunidades explorem percepções, ideias e valores na construção de novas narrativas e ações.

Patrimônio – Referências culturais que compõem a herança dos povos preservadas em suas dimensões materiais e imateriais para as futuras gerações.

Pesquisar – Procedimento investigativo que fundamenta os processos museológicos, com foco em coleções, públicos e o próprio museu.

Público – Coletividade em sua diversidade, heterogeneidade, territorialidade e pluralidade, a quem pertence e a quem diz respeito o museu.

Salvaguardar – Procedimentos sistemáticos de conservação, documentação, promoção e guarda do patrimônio museológico e de expressões culturais.

Social – Compromisso com a reflexão e transformação social, como instrumento político participativo de promoção de uma sociedade justa, equitativa e saudável.

Sustentável – Práticas de governança, com respeito aos direitos ambientais, sociais e culturais em prol da formação de uma cidadania planetária. 

Território – Espaço vivido onde se tecem relações entre poder, memórias, patrimônios e identidades.

Transformar – Engajar a sociedade em reflexões e ações a favor do bem comum e do aprimoramento da experiência coletiva.

Inspiração para SISEM-SP

Para o conselho do SISEM-SP a nova definição contribui com a elaboração de programas e ações de políticas públicas em prol do setor e atende às principais demandas da sociedade. Além disso, o novo texto embala o tema central do 12º Encontro Paulista de Museus (EPM): “Bem-viver, território, antirracismo, diversidade: com quantos termos se faz um museu?”.

A temática do EPM 2022 foi elaborada a partir das palavras que surgiram na consulta pública realizada pelo ICOM para a construção da nova definição de museus e coube bem ao resultado final. Neste ano, o evento conta com uma programação que pautará a mediação e a articulação de uma ampla diversidade de temas inerentes aos desafios dos museus e nações em todo o mundo, como o combate ao racismo, a promoção da saúde, o cultivo de relações de solidariedade, a reciprocidade, o respeito e valorização de todas as formas de vida.

A programação propõe ainda discussões sobre o espaço vivido e as relações entre poder, memórias, patrimônios e identidades. Nos painéis, os mediadores poderão fazer questões dirigidas aos articuladores. Nessa dinâmica cuidadosamente estruturada, autoridades, acadêmicos e profissionais ligados ao universo museológico poderão questionar profissionais de outras áreas, enriquecendo a troca multidisciplinar de informações e prática da museologia como um recurso social.

Um breve histórico

O ICOM realiza conferências trienais que sempre são encontros muito significativos dessa que é a maior rede internacional de profissionais de museus, reunindo 44 mil membros em todo o mundo.

A primeira versão da definição de museus pelo ICOM foi elaborada há mais de 70 anos, estabelecendo que: “Museu é um estabelecimento de caráter permanente administrado para interesse geral, com a finalidade de conservar, estudar, valorizar de diversas maneiras, conjunto de elementos de valor cultural: coleções de objetos artísticos, históricos, científicos e técnicos, jardins botânicos e zoológicos, aquários.”

Com o passar dos anos e as transformações sociais a definição foi sendo reeditada. Em 2019 o texto apresentado na Conferência de Quioto, no Japão, chegou a causar polêmica. Alguns membros do ICOM apontaram interesses políticos e excesso de ativismo na elaboração do conceito, prorrogando a decisão para a conferência seguinte, realizada em Praga neste ano.

A Conferência de Praga foi o primeiro encontro híbrido, tendo sido organizada em meio às incertezas da pandemia da Covid-19 e da guerra da Ucrânia. O resultado foi satisfatório, marcado pelo alto nível de organização e participação. Nesse contexto, o encontro presencial após o longo período de isolamento provocado pela pandemia reforçou a qualidade do encontro e das trocas. Além dessa alta participação, o consenso em torno da nova definição – cujo texto foi aprovado por um placar de 486 votos favoráveis, 23 contrários e 17 abstenções – gerou um sentido de coesão e de construção coletiva de futuros promissores para os museus.

Assim, a nova definição apresenta as premissas e indicações para atualização contínua dos museus no contexto contemporâneo. Como explica a presidente do ICOM Brasil, “os museus são instituições permanentes, mas dinâmicas, que para o cumprimento das suas funções devem estar alinhadas aos desafios do hoje. E a nova definição traz bons desafios, na perspectiva de museus que atuam com a participação das comunidades”.

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