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Projetos Educativos do Museu do Futebol: experiências na acessibilidade e inclusão

Resumo

Em quase 10 anos de existência, o Núcleo Educativo do Museu do Futebol amadureceu a sua principal linha de atuação, qual seja, a mediação entre o acervo e o público, desenvolvendo roteiros, artigos, jogos, atividades, dinâmicas e projetos a partir dos elementos da exposição de longa duração, das exposições temporárias, das programações específicas e do conhecimento cada vez maior dos diversos perfis de público.

Palavras­‑chave

Acessibilidade; Inclusão; Educação; Museu; Público.

Introdução

O Museu do Futebol, equipamento cultural público da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, inaugurado em setembro de 2008, já nasceu com o Núcleo Educativo e com um programa de acessibilidade, chamado Programa de Acessibilidade do Museu do Futebol (PAMF). Pioneiro nessa área, o Museu do Futebol foi o primeiro museu a ser inaugurado com o conceito de acessibilidade concebido antes de sua implantação. Ao abrir as portas para o público, o museu se destacou por possuir recursos que, até então, não eram comuns em espaços culturais. Plataformas para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida, piso tátil, elevadores, escadas rolantes, banheiros adaptados, audioguias para pessoas cegas, com baixa visão e estrangeiros são alguns dos recursos com os quais o museu conta desde sua inauguração. Além disso, placas em Braille, maquetes táteis, pranchas com alto contraste de cor e relevo e placas em resina para toque tinham o desafio de ajudar na transposição da linguagem do conteúdo da exposição de longa duração para o público com deficiência visual e intelectual.

Para o Museu do Futebol, acessibilidade é propiciar que o maior número de pessoas, independentemente de suas condições físicas, sociais e intelectuais, possam viver suas experiências no Museu. Para isso, o PAMF conta com recursos físicos e comunicacionais, além de profissionais qualificados para atender a todos. Todas as salas e conteúdo do museu foram pensados para receber e incluir todos os perfis de públicos: brasileiros e estrangeiros; de diversas classes sociais; pessoas com deficiência; crianças, jovens, adultos e idosos. O PAMF também é responsável por criar materiais lúdico­‑pedagógicos que, de maneira acessível, dialogam com o conteúdo do nosso acervo, facilitando a compreensão e estimulando a reflexão do público.

Nesse sentido, ter em vista o conceito de Acessibilidade num espaço de educação não formal nos faz compreender a verdadeira amplitude da palavra, seja ela no âmbito físico, intelectual, social ou atitudinal. Para o Educativo, como Núcleo que atua diretamente com o público, os recursos físicos de acessibilidade são um suporte para o atendimento humano. Dessa forma, a acolhida, o afeto, a adaptação da linguagem, a utilização de materiais de apoio além do acervo, em suma, toda a disponibilidade do material humano a favor da pessoa com deficiência torna a atuação do Educativo fundamentalmente acessível e inclusiva.

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Nesse aspecto, cabe mencionar a importância de projetos específicos criados por nós, que tanto capacitam a equipe quanto se abrem para um maior diálogo com os diferentes tipos de público, tais como o projeto premiado Deficiente Residente, o projeto Aproximações, o projeto Museu Amigo do Idoso e o Espaço Dente de Leite. Além disso, internamente, foi desenvolvido o projeto Conviver, de consciência funcional, para dialogar com nosso público mais fiel: os funcionários do museu, tanto os terceirizados como os celetistas.

Projeto Deficiente Residente

O Projeto Deficiente Residente, iniciado em 2010, nasceu de uma necessidade, experimentada pela equipe do Núcleo Educativo, de tornar familiares universos distantes e desconhecidos. Dúvidas básicas como, por exemplo, se podíamos dizer a uma pessoa cega a expressão corriqueira “como você vê”, a dúvidas mais complexas, como, por exemplo, se uma pessoa autista ou com síndrome de Asperger consegue identificar as emoções por meio de expressões faciais; ou seja, de que modo lidar com alteridades com as quais temos pouco ou nenhum contato e desconstruir determinados pré­‑conceitos. Esses anseios fizeram parte dos questionamentos que acompanham o desafio de atender com afeto pessoas com deficiência, levando em conta suas especificidades.

O projeto Deficiente Residente partiu do princí­pio de que para um museu ser acessí­vel ao público com deficiência era necessário fazer um projeto “com” e não “para” a pessoa com deficiência. A palavra “com” aparecia como algo fundamental para colocar todos os envolvidos no papel de protagonistas, pensando juntos em melhorias na acessibilidade física do museu e no atendimento humano ao público. Em 2010, quando o projeto foi criado, tivemos a oportunidade de planejá­‑lo para acontecer até 2015, perfazendo seis edições consecutivas. Planejamos uma imersão, a cada ano, com uma deficiência específica, escolhida com participação da equipe. Assim, em 2010 trabalhamos a deficiência visual; em 2011, a deficiência intelectual; em 2012, a deficiência auditiva; em 2013, a deficiência física; em 2014, a saúde mental; em 2015, uma retomada com representantes das edições anteriores. A cada ano foram selecionados residentes para atuar com a equipe nas quebras de barreiras atitudinais. Todos os residentes foram remunerados.

O projeto resultou num belíssimo documentário que está disponível em nosso canal do YouTube,e em 2017 demos o pontapé inicial na segunda temporada do projeto, trabalhando com o foco na Pessoa com Síndrome de Down.

Figura 1 – Estela Almeida, a residente do Projeto Deficiente Residente em 2017.
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Projeto Aproximações

O projeto educativo Aproximaçõesnasceu de um desejo de compor uma relação mais integrada com pessoas que se encontram excluídas de experiências em instituições culturais. Com esse propósito foi elaborado em 2010 o projeto que tem como ideia privilegiar, em suas primeiras edições, ações voltadas para as pessoas que frequentam o Museu do Futebol ou atuam nas suas imediações, incluindo a Praça Charles Miller, e que, de alguma forma, vivem a experiência da exclusão e marginalidade social.

O objetivo do projeto é ampliar o potencial de inclusão do Museu do Futebol atendendo públicos em situação de vulnerabilidade social que trabalham e/ou habitam no entorno da instituição. Cientes de que esse grupo é composto por pessoas que se apresentam em condições agravadas de vulnerabilidade e exclusão e, dessa forma, encontram limites para o acesso a bens culturais, é pertinente pensar em ações que busquem minimizar os obstáculos que dificultam o acesso de determinados segmentos da população à prática da cidadania e ao acesso para a informação e a cultura. Nesse projeto, o Museu do Futebol, como instituição cultural, apresenta­‑se como fomentador do diálogo, partindo de ações pedagógicas que visam o intercâmbio com grupos variados contando com a mediação do educador.

O nome do projeto denota exatamente o seu objetivo. Aproximações: propor ações que aproximem partes distantes. O projeto nasceu, assim, de uma necessidade de tornar mais familiar uma realidade que se apresenta muitas vezes negligenciada, de aproximar culturas diferentes e transformar o olhar de todos os envolvidos. O projeto abrangeu, entre outros aspectos, a modificação comportamental tanto para os indivíduos dos arredores do estádio, quanto para os educadores que integraram as ações, bem como para os demais visitantes do Museu, que também interagirão com o projeto.

O Aproximaçõesestabeleceu o diálogo com pessoas socialmente vulneráveis por meio de visitas ao Museu que, como campo próprio à disseminação e ao encontro com culturas diversas, oferece os instrumentos necessários a essa iniciativa. O projeto possibilita refletir sobre as tensões que naturalmente possam surgir do encontro entre culturas diferentes, o comportamento dos indivíduos envolvidos, antes “distanciados” e que, pela dinâmica da proposta, venham a dialogar.

Ao longo de 2012 e 2013, as ações do projeto conseguiram atingir o objetivo de estabelecer um contato verdadeiro entre equipe do museu e aproximados. Em 2014, o objetivo foi finalizar o projeto discutindo o formato de seu produto e a avaliação do resultado. Durante o ano de 2013, os encontros com os aproximados foram filmados e fotografados. A reunião desse material, agregada a um trabalho de edição profissional, transformou os registros em um documentário de aproximadamente 20 minutos sobre o projeto, que se encontra em nosso canal do YouTube.

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Figura 2 – Encontro do projeto Aproximações.

Museu Amigo do Idoso

Tal como o projeto Deficiente Residente, o projeto Museu Amigo do Idoso consistiu na residência de uma pessoa idosa durante 3 meses, convivendo com a equipe de educadores e orientadores duas vezes por semana, durante 6 horas diárias.

Como participantes do projeto, convidamos dois idosos de perfis diametralmente distintos. O primeiro deles foi Maria Elisa Franceschini, brasileira, de 66 anos, moradora do bairro Cecap em Guarulhos, município da região metropolitana de São Paulo. Maria Elisa não é frequentadora de museus e ambientes culturais. Atua como voluntária em hospitais, aos quais leva os seus personagens palhaços para interagir com pacientes enfermos e em tratamento. Mãe e avó, sem formação acadêmica, esta foi a primeira experiência profissional reconhecida financeiramente que exerceu. O segundo deles foi Jorge Raul Expósito, argentino, de 70 anos, morador do bairro de Higienópolis, Zona Oeste de São Paulo. Jorge é frequentador assíduo do espaço de leitura do Parque da Água Branca e de ambientes culturais. Engenheiro, pai e avô, Jorge atua como consultor em uma fábrica de metais.

Por acreditar na importância de conhecer especificidades do público idoso de maneira abrangente, optamos pela escolha de perfis distintos, tendo como princípio trabalhar a diversidade desse público em duas frentes: aquela que é frequentadora de ambientes culturais, usualmente com formação acadêmica e condição financeira estável (reflexo inclusive da realidade dos moradores do entorno do Museu), e aquela que não é frequentadora de ambientes culturais, na maioria das vezes sem formação acadêmica e em condição financeira limitada (reflexo dos poucos grupos de idosos que recebemos oriundos de instituições sociais e casas de acolhida, os quais queremos atingir cada vez mais).

Tal como nossos projetos de residência, o Museu Amigo do Idoso contou com o preparo da equipe para receber os residentes, utilizando vídeos, realizando leituras, apropriando­‑se da legislação, observando e dialogando com esse público no dia a dia. Embasados nessa preparação e nas conversas realizadas com os residentes antes de começarmos o projeto, elaboramos um cronograma inicial, pensado em atender ambas expectativas, do Museu como ambiente de cultura, e deles, como profissionais colaborando com esta instituição.

Esse cronograma direcionou a atuação dos residentes para cinco frentes de trabalho. A primeira foi a apropriação dos objetivos do projeto e familiarização com o Museu e com os participantes. A segunda, a avaliação do atendimento, dos materiais educativos, da programação cultural e do espaço expositivo. A terceira, um retorno dos apontamentos da segunda etapa (registrados em relatórios) e a construção conjunta de instrumentos para melhorias do que foi observado e avaliado.

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A quarta, como reflexo da terceira etapa, a criação de produtos que visam subsidiar a melhoria do atendimento e das atividades educativas voltadas para o público idoso. Como resultado efetivo, tivemos alguns produtos: a elaboração de uma cartilha de formação para novos orientadores focada no olhar atento para o acolhimento desse público; o desenvolvimento de um formulário de pesquisa específico para o idoso que visita o Museu, com o objetivo de avaliar o atendimento da equipe de orientação; e duas atividades lúdico­‑pedagógicas que propiciam ao nosso público idoso uma participação efetiva, afetiva e protagonista. A quinta e última etapa consistiu em reunião e avaliação com todos os envolvidos, para balanço do projeto com o intuito de identificar as propostas implantadas e discutir possibilidades a serem implementadas em futuro próximo.

Figura 3 – Os residentes idosos Jorge Expósito e Maria Elisa Franceschini.

Projeto Conviver

Projeto desenvolvido pelo Núcleo Educativo que promove, por meio do diálogo e do afeto, a consciência funcional dos colaboradores dentro do Museu do Futebol. Desde 2016 são realizados encontros dos educadores com equipes de outras áreas, para ampliar e reforçar a apropriação do espaço de trabalho como um lugar de aprendizado, experiência, reflexões e transformações.

Figura 4 – Encontro do projeto Conviver.

Espaço Dente de Leite

É cada vez mais comum as famílias com crianças pequenas buscarem espaços culturais como espaço de lazer. Com o objetivo de atender a essa demanda, o Museu do Futebol adaptou uma de suas salas expositivas para convidar pais e cuidadores a frequentar o museu. Buscando expandir nosso programa de acessibilidade com olhar atento às necessidades de todo o nosso público, o Educativo percebeu a importância de disponibilizar um espaço para crianças até 3 anos, ampliando assim a apropriação e a visitação do museu como espaço público e de acesso a todos. Após muita escuta do público que frequenta o museu com crianças pequenas (pais, mães, avós e cuidadores em geral), o Educativo desenvolveu o “Dente de Leite”, ambiente lúdico para convivência e estímulo ao brincar dedicado aos pais e cuidadores com crianças de até 3 anos. Com essa ação, atingimos o que considerávamos um “não público”, o qual passou a frequentar o museu, tornando­‑se público frequentador e divulgador deste espaço.

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O espaço consiste em uma área, logo na primeira sala, coberta com grama sintética e com uma série de brinquedos educativos, bem como tapetes de EVA e almofadas espalhadas pelo espaço. Para os irmãos um pouco mais velhos, disponibilizamos um pranchão com peças de montar, quebra­‑cabeças, folhas e lápis para desenhar.

A ideia é que as crianças interajam com seus pais e/ou cuidadores, fomentando um momento de convivência da família em um ambiente leve e descontraído, uma vez que uma trilha sonora específica para o público infantil toca enquanto o espaço está aberto. Os pais e/ou cuidadores não podem deixar seus filhos sozinhos. Também criamos um estacionamento para carrinhos de bebê.

Figura 5 – O espaço Dente de Leite.

Considerações finais

Por que nos sentimos responsáveis? O impacto de uma primeira visita a um espaço qualquer costuma trazer novas sensações e emoções. Na recepção do visitante ao Museu, o Núcleo Educativo é responsável por acolher o visitante, adaptando linguagens para uma boa comunicação, de acordo as referências de cada um. Disso depende o vínculo que se estabelecerá entre o público e a proposta museal.

Capa

Rede de Redes – diálogos e perspectivas das redes de educadores de museus no Brasil

Sumário Ficha Técnica