243

Museu, Educação e História Indígena: a mediação utilizando recursos pedagógicos de Arqueologia brasileira

Resumo

Este artigo tem como proposta apresentar os resultados parciais obtidos em pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós­‑Graduação Interunidades em Museologia da Universidade de São Paulo (PPGMUS­‑USP). A pesquisa tem como foco o Recurso Pedagógico de Arqueologia Brasileira do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE­‑USP), composto por conjuntos de maquetes táteis e caixas de objetos arqueológicos. Pretende­‑se apontar alguns detalhes do processo curatorial do referido Recurso e também apresentar alguns tópicos sobre a importância da musealização da Arqueologia por meio da divulgação e construção do conhecimento com o público, considerando o recurso como um mediador das relações entre museu e escolas.

Palavras­‑chave

Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE­‑USP); Comunicação arqueológica; Educação; Recursos pedagógicos; História indígena.

Introdução

Este artigo tem como objetivo refletir sobre os primeiros resultados obtidos na pesquisa realizada no Programa de Pós­‑Graduação Interunidades em Museologia da Universidade de São Paulo (PPGMUS­‑USP) com orientação do prof. dr. Camilo de Mello Vasconcellos e apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Neste texto serão discutidos alguns tópicos considerados fundamentais para o desenvolvimento da referida pesquisa.

A Seção Técnica de Educação para o Patrimônio do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE­‑USP) tem vasta experiência com materiais pedagógicos, que são utilizados no próprio museu e também emprestados para professores utilizarem em sala de aula. No caso de empréstimo, os professores realizam formação prévia com os educadores do museu sobre conceitos gerais de Arqueologia e de Etnologia e sobre detalhes específicos de cada um dos recursos.

Dentre a variedade de materiais disponíveis que contemplam os temas de Arqueologia e Etnologia, essa pesquisa tem como fonte o material educativo cujo título é: “Recursos pedagógicos em Museus: o desafio da mediação de acervos arqueológicos”, coordenado pelo prof. dr. Camilo de Mello Vasconcellos e financiado pela Pró­‑Reitoria de Cultura e Extensão (2013-2014) por meio do Edital de Preservação de Acervos dessa mesma Pró­‑Reitoria. O Recurso Pedagógico é composto por maquetes táteis, caixas de objetos arqueológicos e uma publicação.

A publicação intitulada Recursos Pedagógicos no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, organizada por Camilo de Mello Vasconcellos (2014), acompanha os conjuntos para apoiar o trabalho a ser realizado. Esse livro contribui com informações sobre arqueologia, patrimônio e museus, textos de arqueólogos do MAE­‑USP sobre cada um dos sítios arqueológicos representados nas maquetes e sugestões de atividades educativas que orientem o uso do recurso pedagógico e em especial das maquetes táteis.

244

O principal objetivo da pesquisa é analisar o potencial educativo da instituição museológica a partir do recurso pedagógico enquanto forma de aproximar a escola do museu e, utilizando a linguagem da cultura material, levar aos alunos uma interpretação de artefatos arqueológicos que possa contribuir para a desconstrução de preconceitos sobre a história indígena. Como objetivos específicos, considera­‑se avaliar: a relação museu­‑escolas, a cultura material na sala de aula e quais as fontes utilizadas para o ensino da história indígena.

A fim de conseguir alcançar esses objetivos, estruturou­‑se uma metodologia de pesquisa. Realizou­‑se a observação de algumas formações de professores com os educadores do MAE­‑USP e, após o contato com as escolas, acompanhou­‑se a utilização do Recurso Pedagógico em sala de aula tendo um questionário de observação como base e questionários aplicados para professores e alunos.

A primeira etapa de análises, apresentada a seguir, teve como principal objetivo falar sobre o processo curatorial das maquetes táteis e caixas de artefatos arqueológicos. Dessa forma, realizaram­‑se entrevistas com alguns dos profissionais responsáveis pela elaboração do recurso: o educador do MAE­‑USP, os arqueólogos que contribuíram com informações sobre os sítios arqueológicos representados e a designer responsável pela confecção do material na sua composição física e estrutural. Essa discussão terá como base uma breve apresentação teórica sobre o processo curatorial, o contexto do Recurso Pedagógico (MAE­‑USP), o conceito de transposição didática, musealização e comunicação da Arqueologia e educação e as relações entre museu e escolas.

Arqueologia: musealização, comunicação e educação

O processo de formação e desenvolvimento da Arqueologia enquanto disciplina e área de pesquisa acadêmica é longo e passou por diversas mudanças, diferentes métodos de trabalho, distanciamentos e aproximações com a sociedade. Apesar de sua importância e potencial de estudo de povos que deixaram sua história registrada em vestígios materiais, os conhecimentos da Arqueologia ainda não são devidamente compartilhados com a sociedade em geral.

Algumas produções da mídia, como filmes de aventura, por exemplo, contribuem com a divulgação de mitos relacionados ao trabalho dos arqueólogos e aos artefatos que esses profissionais encontram. Nesse caso construiu­‑se um estereótipo do arqueólogo aventureiro e caçador de tesouros, como o personagem Indiana Jones, um dos maiores fenômenos de bilheteria da indústria cinematográfica norte­‑americana.

No caso do Brasil, tem­‑se um agravante. A não existência de grandes monumentos representativos de sociedades do passado, como as pirâmides egípcias ou as construções dos Maias na América Central e México ou os Incas no Peru, prejudica o interesse da população pela Arqueologia, reforçando o senso comum dos grandes tesouros e desconsiderando as populações indígenas pré­‑coloniais como produtores de cultura e que atualmente podem trazer características e indícios de seu modo de vida e relações com o ambiente.

245

Os museus são um dos possíveis, e talvez os principais, aliados no desenvolvimento de um diálogo entre Arqueologia e sociedade. A comunicação por meio de ações museológicas – exposições e/ou ações educativas – atua como mediação entre o conhecimento produzido a partir das pesquisas sobre determinado vestígio arqueológico e os diferentes públicos que acessam os museus.

Construir uma relação entre pessoas e objetos é o propósito das ações comunicacionais dos museus, as quais devem facilitar a compreensão da cultura material pelo público, criando um sentimento de valorização do patrimônio, fundamental para sua preservação. No caso específico dos museus de Arqueologia, Camila A. de Moraes Wichers (2013/2014, p.37) ressalta que:

A aproximação entre patrimônio arqueológico e sociedade encontra, assim, no diálogo com a Museologia e com os Museus – entendidos como um dos cenários do fazer museológico – um amplo campo de possibilidades. Um campo que potencializa a abertura de nossas seleções, coleções e narrativas para os diversos segmentos da sociedade. Para que esse patrimônio “faça sentido” no presente, sendo questionado, apropriado e reapropriado por diversos atores sociais.

A comunicação museológica se desdobra nas ações educativas com base na necessidade de mediar o patrimônio arqueológico. Assim, torna­‑se necessário analisar a relação entre Arqueologia e Educação, considerando o museu como intermediário e as escolas como parceiras nesse processo de divulgação e construção compartilhada do conhecimento.

O potencial educativo da Arqueologia compreende as múltiplas possibilidades de utilizar os conhecimentos produzidos por essa disciplina na formação de estudantes que visitam museus e mesmo em atividades na sala de aula, como ocorre com o Recurso Pedagógico de Arqueologia brasileira do MAE­‑USP. O caráter interdisciplinar, que dialoga com as diferentes disciplinas do currículo escolar, pode contribuir em muitos projetos que desenvolvam as diversas habilidades interpretativas e de comparação de tempos históricos. Da mesma forma, a materialidade da Arqueologia pode ajudar no entendimento de conteúdos abstratos, distantes do presente e da realidade dos alunos. Alguns estudos apontam diferentes formas de inserir a Arqueologia na educação.

Uma pesquisa importante foi realizada por Márcia Bezerra de Almeida em seu doutorado, O Australopiteco Corcunda: As Crianças e a Arqueologia em um Projeto de Arqueologia Pública na Escola (2002). A partir da constatação de que “uma questão que se apresenta como obstáculo para o ensino da pré­‑história nas escolas é a formação dos professores e a inexistência de materiais didáticos adequados” (Almeida, 2002, p.43), o trabalho desenvolvido pela pesquisadora procurou pensar em uma forma de suprimir essa lacuna e “levar” a Arqueologia para a escola, aproximando os alunos de um conteúdo que nem sempre é compreendido e divulgado.

246

Almeida realizou uma experiência com os alunos de uma escola no Rio de Janeiro e afirma que a inclusão da Arqueologia em projetos educacionais é favorecida pela “sua natureza interdisciplinar, a fascinação que exerce sobre as crianças e sua forma de investigação” (2002, p.74), e conclui: “A imanência do ato de descobrir na Arqueologia sublinha seu potencial em projetos educativos” (2002, p.86).

Outro exemplo é a pesquisa de doutorado realizada por Leilane Patrícia de Lima (2014) na qual a autora buscou aplicar uma proposta educativa de Arqueologia desenvolvida no ambiente formal de ensino, considerando a relação dos sujeitos com essa disciplina e com o passado arqueológico, avaliando o papel da escola na comunicação do conhecimento arqueológico.

Nos museus, a concretização da relação entre Arqueologia e Educação pode ser efetivada, visto que essa instituição se constitui em uma das principais formas de comunicação das pesquisas realizadas. O público escolar é um visitante tradicional dos museus. Na maioria das vezes, é por intermédio da escola que muitas pessoas fazem sua primeira visita a esses locais. A forma como essas visitas ocorrem, quais as escolhas de professores e educadores, a metodologia utilizada e a participação dos alunos mudaram ao longo do tempo.

Em seu artigo “A favor da desescolarização dos museus”, Maria Margaret Lopes (1991) faz um breve histórico da educação nos museus e das diferentes maneiras pelas quais se construiu a relação com as escolas. No contexto em que a autora escreveu seu texto, início da década de 1990, os serviços educativos da maioria dos museus brasileiros ainda não eram estáveis e acabavam realizando atividades com base nas metodologias utilizadas em sala de aula, não apropriadas para o seu espaço, para o seu contexto e propostas pedagógicas diante da cultura material.

Durante muito tempo as situações de aprendizagem nos museus foram passivas, os alunos apenas trocavam de espaço para ter uma aula na qual as informações são passadas e sua função era anotar cada detalhe, copiando o conteúdo das legendas e outros suportes que tivessem dados dos objetos expostos. Ser a favor da desescolarização dos museus é buscar propostas para que esse espaço, que tem grande potencial educativo, possa construir o conhecimento com os alunos a partir da interação, do diálogo e da troca de experiências.

Da mesma forma, o professor deve atuar como agente multiplicador, participando das atividades quando essas acontecerem dentro do museu ou sendo responsáveis por mediar a construção do conhecimento a partir da cultura material com seus alunos em sala de aula.

247

Essa relação é apresentada por Luciana Sepúlveda Köptcke com o nome de “parceria educativa”, um diálogo que proporcione melhores resultados nas ações do museu voltadas para escolas e que “possibilitem aos alunos participantes desenvolver uma atitude positiva e uma prática autônoma de visita a instituições culturais do gênero” (Köptcke, 2001/2002, p.72).

Os museus são locais privilegiados para a educação, trabalhando com a cultura material e estabelecendo um diálogo com as escolas. Dessa forma, podem ser os melhores canais para se comunicar os conhecimentos da Arqueologia, atingindo o público escolar, que nem sempre tem fácil acesso a essa disciplina.

Essa comunicação pode ser realizada também pelo fornecimento de materiais didáticos, inclusive pelo fato de que são poucas opções que os professores têm para utilizarem com seus alunos. Esses materiais podem contribuir para fortalecer a relação museu­‑escola, incentivar a ida dos estudantes aos museus futuramente e, no caso das instituições com acervos de Arqueologia, aproximar essa disciplina da sala de aula.

Apresentando o Recurso Pedagógico do MAE­‑USP: o processo curatorial dos conjuntos de maquetes táteis e artefatos de Arqueologia brasileira

Apresentar e descrever o Recurso Pedagógico do MAE­‑USP tornou­‑se uma etapa fundamental da pesquisa, considerando que a análise de sua utilização em sala de aula seria mais eficaz com o conhecimento de como foi pensado e elaborado, ou seja, como se deu o processo curatorial das maquetes táteis e caixas de artefatos arqueológicos. Assim, incialmente destaca­‑se a concepção de um conceito ampliado de curadoria:

Curadoria – produção de conhecimento a partir do acervo museológico. Compreende diversas formas de produção e, consequentemente, de profissionais envolvidos. Pesquisa, conservação preventiva, documentação museológica, expografia e educação são curadoria. O pesquisador, o conservador, o documentalista, o museólogo e o educador são curadores. (Cury, 2013, p.7)

O conceito de curadoria apresentado por Marília Xavier Cury resume o que se pode chamar de processo curatorial, pois envolve diversas etapas e agentes dentro da instituição museológica. Para que o resultado das pesquisas possa ser devidamente comunicado e construído, torna­‑se fundamental que as ações de divulgação façam parte da curadoria, aqui mais bem exemplificada como “processo curatorial”, termo que contribui para a ideia de que “curar” envolve todas as ações em torno do objeto museológico e que “são curadores todos aqueles que participam do processo curatorial” (Cury, 2009, p.32).

Assim, pode­‑se acrescentar nesse processo a curadoria na educação em museus e seus desdobramentos em ações no espaço expositivo, na elaboração de oficinas, cursos para professores, jogos e materiais didáticos para utilização interna e/ou externa etc. A “Curadoria Educativa”, segundo Cury (2013, p.7), é a “afirmação de que o setor educacional e o educador fazem curadoria...”. A ação educativa é parte da comunicação, completando o ciclo em torno do qual são pensadas as ações com o objeto museológico, que envolve sua própria aquisição, a pesquisa, a conservação e a documentação.

248

Na publicação Procedimentos e Normas do Museu de Arqueologia e Etnologia MAE/USP (Florenzano; Santos, 2013) encontram­‑se informações sobre os procedimentos relacionados à curadoria do acervo do museu. No Capítulo II, “Das Políticas Institucionais”, o regimento do MAE­‑USP apresenta as questões que envolvem a curadoria de seu acervo, dentre as quais se destaca este trecho do Artigo 5º: “IV – comunicação do conhecimento arqueológico e etnológico por meio de exposições, experiências pedagógicas e educação para o patrimônio” (Florenzano; Santos, 2013, p.73).

Essa publicação destaca também o organograma do museu, no qual se encontram as atribuições de cada uma das Divisões do MAE­‑USP, como é o caso da Divisão de Apoio a Pesquisa e Extensão, da qual faz parte, entre outras, a Seção Técnica de Educação para o Patrimônio, que deve: “planejar, orientar e acompanhar a produção de materiais pedagógicos e didáticos” (Florenzano; Santos, 2013, p.59).

Os materiais pedagógicos estão incluídos nos processos de funcionamento do museu, o que denota a sua importância e a preocupação da instituição com o oferecimento de recursos que possam divulgar o conhecimento produzido em Arqueologia e Etnologia a partir das coleções que integram o seu acervo.

Assim, justifica­‑se a escolha de analisar todo o processo de elaboração do Recurso Pedagógico de Arqueologia brasileira, pois se acredita na importância de compreender as escolhas e as etapas do processo curatorial até chegar à avaliação do impacto do recurso com o público escolar.

Parte fundamental desse processo, envolvendo diferentes profissionais na construção de cada um dos conjuntos de maquetes táteis e objetos arqueológicos, é a transposição didática. Esse conceito é apresentado por Martha Marandino em seu artigo “Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências” (2004). A autora analisa alguns estudos sobre a transformação dos saberes científicos em saberes escolares.

Marandino destaca as origens do conceito, que tem Yves Chevallard como principal referência, responsável pelo estudo da didática das matemáticas e das “criações didáticas” ocasionadas pelas “necessidades de ensino”, afirmando que: “Esse trabalho de transformação de um objeto de saber em um objeto de ensino é o que ele chama de transposição didática” (Marandino, 2004, p.98).

A autora utiliza também o termo “mediação didática”. Assim, existe um conhecimento próprio da escola, produzido no diálogo entre professores e alunos pela mediação didática, conceito que pode ser apropriado para as ações de divulgação do conhecimento nos museus, como destaca Vasconcellos (2015, p.240):

A mediação não deve ser vista como a simples tradução do conhecimento especializado por parte dos educadores, mas sim na perspectiva da construção coletiva do conhecimento, uma vez que reúne o saber de vários atores a partir de diferentes lugares: o pesquisador da área básica do museu, o museólogo, o educador e o público, numa perspectiva dialógica e interdisciplinar.

249

As maquetes táteis e caixas de objetos arqueológicos desenvolvidos pelo MAE­‑USP foram elaboradas de forma interdisciplinar, com várias etapas envolvendo educadores, arqueólogos e a designer especialista nesse tipo de recurso. Dessa forma, a seguir serão apresentadas algumas informações sobre o processo curatorial do Recurso Pedagógico do MAE­‑USP com base em entrevistas realizadas com parte dos profissionais envolvidos.

Primeiramente, considerando o recurso pedagógico como um produto do processo curatorial e concordando com a bibliografia que afirma que esse processo envolve também o setor educativo do museu, realizou­‑se entrevista com Maurício André da Silva, arqueólogo e educador do MAE­‑USP. Segundo o educador, o processo de elaboração do recurso pedagógico foi colaborativo e envolveu especialistas de diferentes áreas do museu e também a especialista que confeccionou as maquetes, que tinha vasta experiência na produção desse tipo de material.

Como ainda não havia nenhum recurso pedagógico voltado para a Arqueologia brasileira com base nas pesquisas recentes empreendidas pelo MAE­‑USP, esse foi o recorte temático escolhido. Da mesma forma, esse é um tema que era demandado pelos visitantes do museu, o que se pode considerar como uma participação do público na curadoria do material, já que o tema foi pensado a partir de suas necessidades.

Com o resultado positivo da aprovação do projeto, deu­‑se início à elaboração de cada um dos conjuntos, um processo que envolveu diversas reuniões entre educadores e arqueólogos envolvidos na pesquisa de cada sítio arqueológico representado nas maquetes, o coordenador do projeto e a designer especialista na produção.

A responsável pela construção física do recurso pedagógico foi a designer Dayse Tarricone. Para compreender como foi representar o conhecimento compartilhado pelos arqueólogos nas maquetes táteis, realizou­‑se entrevista no dia 10 de fevereiro de 2017. Dayse Tarricone destacou a importância do apoio dos especialistas em cada conjunto para obter o máximo de informações possíveis e conseguir elaborar um material bem detalhado. Sobre essa questão, outra preocupação da designer foi estudar quais materiais seriam utilizados na confecção das maquetes, conseguindo chegar próximo da realidade. Como parte do processo, ela relatou ter visitado o MAE­‑USP para entrar em contato com seu acervo e ter uma base melhor para a elaboração do recurso pedagógico.

Cada profissional teve um papel fundamental. Assim, apresentam­‑se na sequência alguns detalhes sobre o processo curatorial de cada um dos três conjuntos do recurso pedagógico do MAE­‑USP, por meio de entrevistas realizadas com os arqueólogos responsáveis.

250

Conjunto Educativo das Casas Subterrâneas

Esse conjunto foi concebido com base nas pesquisas realizadas acerca das estruturas que foram construídas ou adaptadas aproveitando depressões já existentes desde parte do sul do estado de São Paulo até o Rio Grande do Sul pelos grupos indígenas que ocupavam essas regiões. O conjunto é composto por duas maquetes táteis e uma caixa de objetos arqueológicos que são originais e integram a coleção do MAE­‑USP.

Figura 1 – Virote polido, usado para a derrubada de animais. Acervo da autora.
Figura 2 – Maquete tátil da área externa das casas subterrâneas. Acervo da autora.
Figura 3 – Maquete tátil do interior da casa subterrânea. Acervo da autora.

A elaboração do conjunto das casas subterrâneas teve a consultoria da profa. dra. Marisa Coutinho Afonso e, segundo ela, uma das coisas mais importantes é a ideia de construção, pois colocar as casas subterrâneas foi uma forma de mostrar a capacidade dos povos indígenas pré­‑coloniais na elaboração de estruturas complexas para serem utilizadas como moradia.

Marisa Afonso destaca também a preocupação com as questões de gênero, a escolha de colocar as mulheres fazendo objetos de cerâmica, pois sabe­‑se que esse era um trabalho feminino. No caso dos indicadores geográficos, houve a escolha da vegetação araucária, característica das regiões mais frias. Essa questão, assim como os frutos e animais representados, foi colocada com a intenção de atingir professores de diferentes áreas.

Sobre o espaço disponível para as representações das maquetes e as atividades que os indígenas estão realizando, é importante destacar dois aspectos. Marisa Afonso comentou que eles não faziam suas atividades todos juntos, mas o suporte que estava disponível e o tamanho que deveriam ter as maquetes precisaram de uma adaptação. No mesmo sentido, o pouco espaço pode passar a impressão de que eles não tinham lazer, mas optou­‑se por apresentar as atividades gerais do cotidiano dos povos pré­‑coloniais.

251

Conjunto Educativo da Amazônia Central

Esse conjunto, composto por duas maquetes táteis, foi elaborado com base nas pesquisas realizadas sob a coordenação do arqueólogo Eduardo Góes Neves do MAE­‑USP, na região da Amazônia Central. Nessas maquetes a ênfase recai na ideia de continuidade e mudança nesse espaço e nas relações das pessoas com a natureza, levando em conta também as problemáticas que envolvem as relações entre pesquisadores e comunidade na escavação arqueológica, especialmente em sítios localizados em meio a moradias e outros locais de utilização pelas pessoas no presente. A caixa de objetos arqueológicos que acompanha o conjunto reúne fragmentos cerâmicos de diferentes culturas que habitaram esse local.

A arqueóloga e educadora Carla Gibertoni Carneiro, responsável pela consultoria da elaboração desse recurso pedagógico, foi entrevistada no dia 3 de fevereiro de 2017. Carla Carneiro destacou inicialmente o privilégio de ter vivenciado as pesquisas arqueológicas na Amazônia e também as experiências no educativo do MAE­‑USP.

Figura 4 – Fragmento de artefato arqueológico. Acervo da autora.

Algumas questões foram destacadas pela arqueóloga: apresentar a permanência de certa vegetação (longo processo de domesticação das plantas); enfatizar a presença humana para desconstruir o conceito da “Amazônia intocada”; a diversidade e o equilíbrio ambiental etc.

Figura 5 – Maquete tátil ocupação indígena pré­‑colonial na Amazônia central. Acervo da autora.
Figura 6 – Maquete tátil comunidade ribeirinha na Amazônia central. Acervo da autora.

Cada detalhe escolhido para as maquetes foi pensado, segundo Carla Gibertoni, com base na importância de representar um contexto que faz sentido arqueologicamente, criando uma “coerência visual”, fiel ao conhecimento que foi produzido até os dias atuais.

Ela acredita que esse recurso proporciona a produção de um novo saber, envolvendo professores e alunos. As maquetes, objetos e textos da publicação de apoio são apenas sugestões com o intuito de levantar a discussão, mais do que apenas passar informações, buscando uma mediação do conhecimento e não uma simplificação.

252

Conjunto Educativo de Lagoa Santa

As pesquisas realizadas na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, serviram de fonte para a construção das representações desse conjunto, composto por duas maquetes, uma placa com uma gravura rupestre, outra com o relevo dessa gravura e uma representação de um sepultamento humano. O prof. dr. Astolfo Gomes de Mello Araújo, responsável pela consultoria para elaboração desse recurso pedagógico, foi entrevistado no dia 10 de março de 2017. Ele destacou suas contribuições para o entendimento de Dayse Tarricone sobre como construir a representação, utilizando o material que reuniu quando participou do projeto na região do sítio arqueológico Lapa do Santo, em Minas Gerais.

Figura 7 – Gravura rupestre e relevo. Acervo da autora.
Figura 8 – Representação de um sepultamento humano Lapa do Santo. Acervo da autora.
Figura 9 – Maquete tátil dos rituais funerários Lapa do Santo. Acervo da autora.
Figura 10 – Maquete tátil da escavação arqueológica Lapa do Santo. Acervo da autora.

Astolfo Araújo relatou que descreveu a escavação, apresentou esquemas, fotografias e sugeriu a produção de uma gravura, pois o fato de ela já ser em relevo facilitaria a adaptação para o material didático. O professor finalizou destacando a importância do recurso na divulgação da pesquisa para um público que os arqueólogos não conseguem atingir.

Reflexões parciais

Elaborado com a participação de diferentes profissionais do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, o Recurso Pedagógico de Arqueologia brasileira apresenta um processo curatorial completo, constituindo­‑se em importante produto comunicacional da instituição.

O MAE­‑USP, enquanto museu universitário, tem como princípios a pesquisa, o ensino e a extensão. Dessa forma, investir na divulgação de suas pesquisas deve ser uma de suas prioridades, e utilizar metodologias diversas contribui para que diferentes públicos tenham acesso ao seu acervo, seja nas exposições ou nos materiais didáticos que facilitam o acesso de alunos que podem não ter outra oportunidade de acesso ao patrimônio arqueológico.

As maquetes táteis e artefatos podem ser instrumentos facilitadores da construção do conhecimento sobre a Arqueologia em sala de aula, tornando concreto algo abstrato e distante, na maioria das vezes, da realidade de crianças e adolescentes. Uma fonte alternativa ao livro didático, levando novas práticas pedagógicas para a sala de aula.

Esse recurso também é aliado na relação entre o museu e as escolas, facilitando o diálogo entre essas duas instituições ao oferecer uma alternativa à visita ao museu, nem sempre facilmente obtida pelos professores em razão da burocracia nas escolas e/ou das dificuldades em conseguir transporte, por falta de verba.

253

A comunicação do patrimônio arqueológico é parte fundamental na divulgação das pesquisas e no retorno para a sociedade, e os museus devem fazer esse intercâmbio, contribuindo para a valorização das descobertas arqueológicas e do trabalho do arqueólogo, assim como na apresentação de outras fontes para as pessoas conhecerem o passado, indo além dos registros escritos.

No caso do recurso pedagógico de Arqueologia brasileira do MAE­‑USP, acredita­‑se ser fundamental avaliar sua utilização e, com a continuidade da pesquisa, tentar contribuir para divulgar a importância das ações que envolvam museus e escolas com o objetivo de proporcionar novas experiências para os alunos pelo contato com a cultura material.

Referências

ALMEIDA, Márcia B. de. O Australopiteco Corcunda: as crianças e a arqueologia em um projeto de arqueologia pública na escola. Tese (Doutorado em Ciências/Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2002.

CURY, Marília X. Museologia, novas tendências. In: MUSEU E MUSEOLOGIA: Interfaces e Perspectivas, 2009, Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). Org. Marcus Granato, Claudia Penha dos Santos e Maria Lucia de N. M. Loureiro. Disponível em: http://www.mast.br/livros/mast_colloquia_11.pdf; acesso em: 2 maio 2017.

. Programa de Educação: documento aberto para debate. São Paulo: Museu do Futebol/Núcleo de Ação Educativa, 2013.

FLORENZANO, Maria Beatriz B.; SANTOS, Fábio B. dos (Org.) Procedimentos e Normas do Museu de Arqueologia e Etnologia MAE/USP. Campo Grande: Life, 2013. Disponível em: http://www.vmhome.mae.usp.br/wp-content/uploads/2013/12/Procedimentos-e-Normas.pdf; acesso em: 2 maio 2017.

KÖPTCKE, Luciana S. A parceria educativa: o exemplo francês. In: O FORMAL e o não­‑formal na dimensão educativa do museu. (Cadernos do Museu da Vida). Rio de Janeiro: MAST, 2001/2002.

LIMA, Leilane Patricia. A arqueologia e os indígenas em sala de aula: um estudo de público em Londrina, PR. Tese (Doutorado) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo (MAE­‑USP). São Paulo, 2014.

LOPES, Maria Margaret. A favor da desescolarização dos museus. Revista Educação e Sociedade, Campinas: Instituto de Geociências da Unicamp, n.40, dez. 1991. Disponível em: http://www.sisemsp.org.br/blog/wp-content/uploads/2016/04/A-favor-da-desescolariza%C3%A7%C3%A3o-dos-museus.pdf; acesso em: 2 maio 2017.

MARANDINO, Martha. Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências. Revista Brasileira de Educação, n.26, maio/jun./jul./ago. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n26/n26a07; acesso em: 2 maio 2017.

VASCONCELLOS, Camilo de M. O imaginário sobre o indígena: uma experiência de aprendizagem significativa no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Museologia & Interdisciplinaridade, v.IV, n.7, out./nov. 2015. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/museologia/article/viewFile/16631/11921; acesso em: 2 maio 2017.

. (Org.) Recursos pedagógicos no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE­‑USP), 2014.

WICHERS, Camila A. de M. Dois enquadramentos, um mesmo problema: os desafios da relação entre museus, sociedade e patrimônio arqueológico. Revista de Arqueologia, v.26, n.2, 2013 + v.27, n.1, 2014. Disponível em: http://revista.sabnet.com.br/index.php/revista-de-arqueologia/article/view/18; acesso em: 2 maio 2017.

Capa

Rede de Redes – diálogos e perspectivas das redes de educadores de museus no Brasil

Sumário Ficha Técnica