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Materiais educativos: o fazer material

Resumo

Como promover a aproximação do visitante com a obra? Certamente os materiais educativos são uma estratégia que colabora para o estreitamento dessa relação. Mas como se dá essa relação? Será que de forma ativa e horizontal? Quais os diferentes sujeitos envolvidos nesse processo de criação de discursos a partir de materiais educativos? Em que medida esses recursos educativos tornam visíveis os agentes envolvidos na criação de sentidos a partir da mobilização dos objetos expostos? O artigo procura apresentar algumas reflexões sobre a experiência da Ação Educativa do Museu de Arte Sacra de São Paulo no desenvolvimento de jogos educativos, entendidos como instrumentos para a percepção do acervo de maneira lúdica que também estimulam reflexões críticas sobre os objetos observados.

Palavras­‑chave

Materiais educativos; Museus; Educação; Exposição; Visitantes.

Uma pesquisa recente acerca dos hábitos culturais dos paulistas indica­‑nos que a visita aos museus ainda é uma forma de lazer pouco disseminada pela população. Dos 8 mil entrevistados em 21 cidades do estado de São Paulo, apenas 1% afirmou visitar museus em seu tempo dedicado ao lazer. A maior parte daqueles que afirmaram ter visitado um museu o fez quando criança, durante uma excursão escolar. Além disso, a porcentagem que indicou ter visitado um museu no último ano (29%) é muito semelhante àquela dos entrevistados que disseram nunca ter visitado um museu na vida (26%).

Atualmente percebe­‑se uma tendência de mudança no perfil do público atendido em ações educativas nos museus paulistas motivada por diferentes fatores, dentre os quais: os fenômenos de grandes exposições blockbusters que atraem uma multidão para visitar espontaneamente museus e instituições culturais; a intensificação do uso de novas tecnologias que tanto permitem o compartilhamento da experiência da visita em tempo real nas redes sociais como estimulam a produção indiscriminada de selfies junto às exposições visitadas; os esforços promovidos pelos educativos de museus para atender novos públicos ou aqueles que até então eram entendidos enquanto não públicos, às luzes das discussões trazidas pela nova museologia e pela conscientização do papel social dessas instituições, e até mesmo a descontinuidade de políticas públicas que subsidiavam a visitação do público escolar aos museus.

Especificamente no Museu de Arte Sacra de São Paulo verifica­‑se, a partir da série histórica de visitantes atendidos majoritariamente em ações educativas, uma inversão do perfil do público no ano de 2015, quando o público espontâneo, formado por aqueles que escolhem participar de visitas educativas e/ou oficinas, passa a predominar sobre o público escolar, que, em contrapartida, na maior parte das vezes não opta pela visita ao museu, já que tal escolha faz­‑se por terceiros (Secretarias de Educação e Cultura, diretorias de ensino, escolas e professores) e não necessariamente pelos próprios educandos.

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Figura 1 – Gráfico comparativo de públicos atendidos em ações educativas no Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Tal cenário motiva­‑nos a propor uma discussão sobre o processo de criação de materiais educativos pelos museus enquanto estratégia para a aproximação do visitante não só das obras, mas também das narrativas (re)criadas pelas exposições e pelas próprias instituições museais. Como promover a aproximação do visitante com a obra? Qual é a relação pretendida a partir dessa aproximação? Será que ela se dá de forma ativa e horizontal? Por qual razão desenvolvemos materiais educativos? Para quais públicos? Quando são utilizados? Em que medida esses recursos educativos tornam visíveis os agentes envolvidos na criação de sentidos a partir da mobilização dos objetos expostos e da própria criação de materiais educativos? Aqui esboça­‑se um breve diálogo sobre essas e tantas outras inquietações caras ao fazer educativo em museus e instituições culturais, a partir da experiência da produção de jogos educativos no Museu de Arte Sacra de São Paulo.

A própria definição de museus, formulada pelo Internacional Council of Museums (Icom), já prevê a educação como aspecto inerente a esses equipamentos: “O Museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, e que faz pesquisas concernentes aos testemunhos materiais do homem e de seu meio, adquirindo­‑os, conservando­‑os e, especialmente, expondo­‑os com o propósito de estudo, educação e deleite” (Marandino, 2003, p.22).

Mas em que medida esse caráter educativo manifesta­‑se nesses espaços de maneira perceptiva não só pelos visitantes, mas pela própria instituição museal? O ato de colecionar é considerado um comportamento universal, condição que a priori nos favoreceria no processo de aproximação do acervo – conjunto de objetos que detêm uma materialidade mobilizada pelos curadores para criação de valores que se pretendem coletivos, do cotidiano do visitante, que mesmo quando não se trata de um habitué desses espaços coleciona algo ou conhece alguém próximo que o faz. Sabemos, entretanto, que a popularização dos museus entre todas as camadas dá­‑se apenas na segunda metade do século XIX, no esteio das exposições universais que passam a ser frequentadas não só pelas elites, mas também pelas classes operárias.

Contemporaneamente entende­‑se a tecnologia como uma maneira que aproxima o visitante dos museus e de suas coleções ou, em alguns casos, até mesmo substitui a materialidade dos objetos expostos. O entendimento dos recursos tecnológicos como um fim em si mesmo e não como um meio para promoção da interação do visitante com o museu e suas obras deu­‑se não só entre aqueles que dirigem essas instituições, mas, infelizmente, passou a figurar até mesmo entre os profissionais encarregados da produção de materiais educativos que aderiram à tendência dos aplicativos produzidos para smartphones, QR codes e iBeacons.

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Quais os desafios que tais questões lançam para a Ação Educativa, especificamente na concepção de materiais educativos? Não se trata aqui de negar ou demonizar as novas tecnologias, muito menos de se propor uma guinada ao passado, quando a educação nos museus cumpria uma função pedagógica no sentido de criar uma identidade uníssona, que deveria ser compartilhada pelos cidadãos. Pelo contrário, trata­‑se de compreender o museu e a própria produção de recursos educativos enquanto criações humanas, por isso mesmo mutáveis e passíveis de múltiplas interpretações em razão da diversidade de seus produtores, lugares e tempos.

Nas palavras do historiador Ulpiano Bezerra de Meneses cabe a nós propiciar estratégias educativas a partir das quais o visitante possa compreender os códigos visuais da exposição e trazer à tona os agentes (in)visibilizados no processo de sua construção:

O museu não é uma instituição natural, mas criada, histórica, circunstancial. A exposição museológica não pode ser tomada como um enunciado universal e atemporal, autoevidente, mas como um sistema linguístico que é preciso aprender: tal como aprendemos a linguagem falada, a linguagem escrita e a linguagem visual (embora entre nós, é claro, predominem, ainda, o analfabetismo da escrita e da imagem). A exposição [...] é, também, a ponta do iceberg: se o museu quiser educar, não pode deixar de trazer à tona, sempre que possível, a parte não visível do iceberg. (Meneses, 2000, p.96)

No ano de 2014 os educadores do Museu de Arte Sacra, em consonância com a proposta de uma exposição comemorativa que buscava celebrar os 240 anos do Mosteiro da Luz, local em que está instalado, organizaram um jogo intitulado “Explore São Paulo: uma caminhada até o Museu de Arte Sacra”. Para sua concepção foi fundamental a existência de uma equipe multidisciplinar: historiadores, cientistas sociais, turismólogos e designers gráficos.

Figura 2 – Jogo de tabuleiro “Explore São Paulo: uma caminhada até o Museu de Arte Sacra”.

Nesse jogo de tabuleiro de sorte ou revés, pensado inicialmente para as famílias que visitam o museu nos finais de semana, durante o tempo que dedicam ao lazer, os participantes devem percorrer uma trilha, passando por diversos bens culturais da cidade, até chegar ao Museu de Arte Sacra, instalado no Mosteiro da Luz. Ao longo do percurso entram em contato com antigos logradouros da região central da cidade que passaram a abrigar instituições culturais ou que possuíam objetos que agora integram o acervo do museu.

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Partindo de uma estratégia clássica dos jogos de tabuleiro – o lançar de um dado a partir de um ponto inicial, comum entre os jogadores, para chegar até o ponto final ora avançando ora recuando em razão do cumprimento de desafios propostos por cartas correspondentes a determinadas casas do tabuleiro –, propõe­‑se ao visitante que de maneira lúdica compreenda a formação de parte do acervo do museu, especificamente dos objetos integrantes da coleção da Arquidiocese de São Paulo, em comodato no museu. Esses objetos são provenientes de antigas igrejas paulistanas, algumas delas demolidas em razão dos processos de transformações urbanas da capital ou que passaram a integrar o acervo por causa da mudança na liturgia, legando­‑lhes a condição de obsolescência.

Esse jogo também instiga o visitante a se questionar sobre as transformações urbanas da cidade – que até o momento registrado na planta utilizada como base para o tabuleiro, 1887, restringia­‑se à região ao redor da colina do Planalto de Piratininga. O próprio edifício que abriga o museu não estava representado no mapa, já que se situava numa zona de rocio, próxima aos rios Tamanduateí e Tietê. Atualmente esse espaço passou a integrar o que convencionamos chamar de região central da cidade, especificamente o bairro da Luz. Já boa parte dos edifícios da virada para o século XX, nele sinalizados ou por nós inseridos, passaram a adotar uma função diferente daquela para a qual foram projetados, isto é, a instalação de museus.

Dessa forma o visitante­‑jogador acessa os bastidores da formação do acervo da instituição e também pode compreender a própria cidade como um campo de forças que passa por constantes modificações, dentre as quais a apropriação de edifícios coloniais e ecléticos para a instalação de museus que buscam disseminar uma memória que se quer coletiva. Poderíamos até mesmo nos questionar se a intensa concentração dos museus no território central não poderia cumprir contemporaneamente o papel pedagógico da construção de uma identidade coletiva, legado anteriormente às igrejas que predominavam na cidade colonial­‑imperial.

De um jogo pensado inicialmente para as famílias, o “Explore São Paulo: uma caminhada até o Museu de Arte Sacra” tornou­‑se fundamental para a desmistificação dos estereótipos negativos associados à nossa instituição, já que detentora de uma tipologia específica de objetos, produzidos no âmbito de uma religião que hoje não mais é hegemônica e, por isso mesmo, já não é o elemento organizador da vida social na cidade. O jogo passou a ser utilizado como disparador de reflexões para os mais diversos públicos atendidos em ações educativas: estudantes, idosos, profissionais de turismo, educadores de museus e instituições culturais, em ações promovidas tanto no próprio museu como extramuros.

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Figura 3 – Profissionais de turismo jogam durante encontro promovido para esse público­‑alvo no Museu de Arte Sacra.

É consenso, na bibliografia que discorre sobre a concepção de exposições, que o museu deve compor um argumento crítico a partir dos objetos expostos. Mas em que medida os códigos criados pela mobilização dos atributos inerentes às obras e pela própria expografia são compreendidos pelos visitantes? Será que há uma única leitura possível dos objetos expostos? Em que medida os discursos criados pelo curador e pelo educador se sobrepõem ou se amalgamam?

Conforme defende o pesquisador Francisco Régis Lopes Ramos a exposição deveria ser compreendida sem a presença obrigatória de um educador. Ciente de que essa condição se restringe a uma pequena parcela de iniciados nesses códigos visuais, cabe ao educador conceber maneiras que permitam a autonomia do visitante no decifrar da cultura material que o cerca, seja na exposição ou no universo de objetos que o rodeia:

A exposição deve ser pensada de modo a permitir que os visitantes possam entender algumas das problemáticas elencadas sem o auxílio obrigatório dos monitores. A educação museal passa necessariamente pela capacidade de instrumentalizar o público para a decifração dos códigos propostos; do contrário, o monitor vira acessório permanente e corre­‑se o risco de pleitear mediações indispensáveis. Assim como a conquista de um texto se faz ao dispensar a figura alheia que leria para nós, a exposição também mostra sua eficiência ao criar fórmulas de comunicação e dispositivo de reflexão sem tutela. (Ramos, 2004, p.26)

O mais recente jogo criado pelos educadores da Ação Educativa do Museu de Arte Sacra, em 2017, intitulado “Desvelar: da reserva técnica à exposição”, propõe que os visitantes conheçam os bastidores de um museu por meio da elucidação do trabalho de profissionais que atuam na construção de discursos sobre o acervo e sua difusão por meio de ações educativas e de comunicação, ou que desenvolvem atividades de pesquisa e salvaguarda do acervo, zelando pela documentação e integridade física das obras expostas ou não. Para tal, propõe­‑se que cada jogador assuma um avatar correspondente a um profissional do museu: educador, restaurador, pesquisador e profissional de comunicação.

O objetivo desse jogo colaborativo é a criação de uma exposição coletiva com as obras que são parte do acervo, muitas das quais raramente são expostas ao público uma vez que se encontram acondicionadas na reserva técnica. Trata­‑se de propor um exercício de curadoria compartilhada entre os participantes que devem chegar a um consenso, cada qual partindo das premissas da sua área de atuação, para criação de uma exposição que deve levar em conta o público ao qual se destina, as tipologias de objetos do acervo salvaguardado pelo Museu de Arte Sacra e a eleição de uma temática macro que dialogue com questões contemporâneas suscitadas a partir da mobilização das obras do acervo.

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A criação desse jogo partiu não só de uma questão que baliza as práticas educativas adotadas, isto é, “estimular o senso crítico do visitante pela análise dos diferentes discursos criados a partir das obras mobilizadas nas exposições de longa duração e temporárias”, mas também do tema macro eleito pelo ICOM no ano de 2017, “Museus e histórias controversas: dizer o indizível em museus”, que nos instiga a refletir sobre os grupos sociais que se fazem representar nas instituições museológicas.

Vale dizer que o jogo foi produzido integralmente por uma equipe multidisciplinar de educadores, dentre os quais historiadores, historiadores da arte e designers gráficos. Profissionais que, não só pela familiaridade com o acervo, construída a partir de um olhar crítico e plural, mas também pelo hábito de praticar jogos de tabuleiro físicos e on­‑line, desenvolveram um material educativo com intenso grau de complexidade teórica, já que pretende discutir questões latentes ao setor museal: novas formas de concepção de exposições e curadoria colaborativa; a (in)visibilidade de grupos sociais nos discursos museológicos; o protagonismo de profissionais da área técnica que trabalham junto às áreas fins dos museus versus a tendência de terceirização dos saberes e das próprias práticas museológicas etc.

No início da partida são sorteados três critérios norteadores para concepção da expografia compartilhada: (1) o público­‑alvo a que se destina, (2) a temática e (3) a tipologia de objeto que deve predominar entre as obras selecionadas. A aquisição de obras dá­‑se por meio do lançar de um dado de 12 lados, e o número sorteado equivale aos logradouros representados no tabuleiro que simula o lote que circunda o Museu de Arte Sacra de São Paulo. Nesses locais há um monte de cartas, a maior parte das quais contém imagens de obras que pertencem ao acervo do museu; em uma parcela menor há cartas que trazem enunciados de sorte ou revés, desenvolvidos a partir de situações hipotéticas inerentes ao universo museal. Por exemplo, algum visitante que tropeça em uma obra ao se fotografar, situação que obriga o jogador a reduzir o nível de conservação de uma das obras que tem em mãos.

Os logradouros representados indicam locais de onde provieram as obras do acervo, a saber: igrejas, lojas de antiquários, casas de colecionadores, museus com tipologias afins ao acervo, arquivos e a oficina do antigo Liceu de Artes e Ofícios.

Figura 4 – Detalhe do jogo de tabuleiro “Desvelar: da reserva técnica à exposição”.
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Ao término da primeira etapa da partida, cada jogador deve ter obrigatoriamente três cartas na mão. Dessas, apenas duas integrarão a exposição a ser criada na etapa final do jogo. Cada jogador deve convencer os demais da razão pela qual uma de suas obras deve ser mantida na reserva técnica, levando­‑se em conta, além dos “critérios para a exposição” estabelecidos no início da partida, as características das obras de suas cartas (potencial de comunicação, estratégia de mediação, estado de conservação e nível de documentação).

Figura 5 – Etapa final do jogo “Desvelar”, na qual os participantes devem convencer os demais jogadores sobre a obra a ser mantida na reserva técnica.

As características das obras associam­‑se diretamente às práticas dos profissionais representados no jogo e demonstram a importância do trabalho dessas pessoas para a preservação e difusão de determinada obra, que, em conjunto com as demais, uma vez obtido acordo com os outros jogadores, deve compor a argumentação da exposição criada.

Esse material educativo foi idealizado para o público espontâneo adulto que visita o museu em momentos de lazer. Sua aplicação é uma estratégia de mediação, aliada a uma visita a exposição temporária ou de longa duração, a fim de que o público, uma vez sensibilizado pelo jogo, reflita acerca da intencionalidade dos objetos expostos e daqueles que raramente o são, bem como dos discursos da instituição, dos curadores e dos próprios educadores. Atualmente ampliamos os públicos para os quais se destina: estudantes de ensino técnico, professores, educadores e profissionais de museus e Turismo. Nesse sentido, desenvolvemos também um tabuleiro móvel em tecido que facilita sua aplicação em ações extramuros para sensibilização do público antes da realização de uma visita ao Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Figura 6 – Aplicação do jogo “Desvelar” em ação extramuros, entre estudantes de curso técnico.
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Entendemos que para os educadores de museus não basta promover o entendimento de determinada obra a partir de sua leitura junto aos visitantes, quaisquer que sejam, valendo­‑se de métodos muitas vezes consolidados e por isso tidos como inquestionáveis. É preciso instigar, naqueles que nos procuram, questionamentos que possibilitem a desnaturalização do olhar para a cultura material que nos rodeia e, por conseguinte, de seus produtores e disseminadores (artistas, curadores, educadores, Estado, Igreja, museu, sociedade). Nas palavras de Francisco Régis Lopes Ramos trata­‑se de assumir o caráter propriamente educativo dos museus:

Para assumir seu caráter educativo, o museu coloca­‑se, então, como o lugar onde os objetos são expostos para compor um argumento crítico. Mas só isso não basta. Torna­‑se necessário desenvolver programas com o intuito de sensibilizar os visitantes para uma maior interação com o museu. Não se trata da simples “formação de plateia”, a valorização do museu como forma de criar uma “cultura mais refinada”. Antes de tudo, objetiva o incremento de uma educação mais profunda, envolvida com a percepção mais crítica sobre o mundo do qual fazemos parte e sobre o qual devemos atuar de modo mais reflexivo. (Ramos, 2004, p.20-21)

Concordamos com o historiador Ulpiano Bezerra de Menezes: o museu é um espaço privilegiado para a investigação da materialidade dos artefatos e, em última instância, da própria condição humana, já que somos seres dependentes desse universo material que nos cerca. Reproduzo aqui suas palavras:

Somos seres corporais, dependemos da materialidade do mundo para nossa vida e reprodução como entes biológicos, psíquicos, sociais, intelectuais, morais. Todavia, a tal ponto naturalizamos esse universo material, que dele temos pouquíssima ou nenhuma consciência. Tanto assim que costumamos supor, muitas vezes, que um interesse por essa base física, material, empírica, da produção e reprodução da sociedade, exclui ou minimiza a dimensão não­‑material, espiritual! Ora, a sociedade necessita de um lugar (até mesmo institucional), ou, melhor ainda, de lugares, onde tal consciência possa ocorrer e se aprofundar. O museu é um deles. E, se não é exclusivo, é um dos lugares mais adequados para tanto, quer se trate de compreender objetos naturais, artefatos de vária natureza, estruturas complexas (como paisagens, casas e cidades) ou esculturas, instalações e imagens visuais têm a dizer para estender o espaço de compreensão da condição humana. Doutra parte, os museus também ignoram que sua atuação, em qualquer quadrante – científico­‑documental, cultural e educacional – tem que ter alguma especificidade. Sem essa especificidade, o museu será sempre um centro cultural inorgânico e de alto custo, um simulacro de instituição documental e de pesquisa, ou uma escola para os tempos vagos dos professores. A especificidade do museu está precisamente naquilo que, ao lhe dar personalidade, distinguindo­‑o de outros instrumentos similares do campo simbólico, garante condições máximas de eficácia: o enfrentamento do universo das coisas materiais. (Menezes, 2000, p.98)

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O fazer material discutido brevemente nesse artigo a partir da experiência da produção de jogos educativos do Museu de Arte Sacra de São Paulo é aqui um pretexto para nos lançarmos em uma discussão mais ampla não só sobre as práticas educativas nos museus, mas também sobre a intencionalidade desses lugares e dos agentes que nele atuam para a construção de identidades e memórias, criadas a partir da mobilização de obras e materiais educativos. Sendo assim, não se trata de apresentar uma resposta ou um modelo. Propõe­‑se a discussão sobre a mutabilidade dos sentidos atribuídos às práticas educativas e, em última instância, à própria instituição museu.

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Capa

Rede de Redes – diálogos e perspectivas das redes de educadores de museus no Brasil

Sumário Ficha Técnica