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Expresso Acesso: acesso à cultura e o direito à cidade

Resumo

O presente artigo tem como objetivo trazer um relato sobre a experiência de criação e execução do projeto Expresso Acesso, encabeçado pelo Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Tomie Ohtake, que consistiu em uma linha de ônibus gratuita com saída do bairro do Canindé e destino ao Instituto Tomie Ohtake, passando por alguns dos mais importantes pontos culturais da cidade de São Paulo. O projeto piloto foi operacionalizado entre maio e dezembro de 2017 e tinha como propósito discutir os conceitos de acesso à cultura, mobilidade urbana e direito à cidade.

Palavras­‑chave

Mobilidade urbana; Acesso à cultura; Acessibilidade; Direito à cidade; Expresso Acesso.

Figura 1 – Da esquerda para a direita: Felipe Arruda, Luís Soares e Victor Santos, que integram a equipe do Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Tomie Ohtake. Foto: Ricardo Miyada.

Quando Luís Soares, Coordenador de Projetos Socioculturais do Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Tomie Ohtake, trouxe à equipe a ideia de criarmos uma linha de transporte que viabilizasse o acesso às instituições culturais de São Paulo gratuitamente para as pessoas da comunidade do Canindé, toda a equipe do Núcleo ficou um tanto receosa com o porte e a audácia do projeto. Mas o trabalho no campo cultural já é por si só desafiador, por isso decidimos tocar esse projeto com afinco e apreço.

O Expresso Acesso, como carinhosamente foi nomeado, começou com um desejo muito genuíno: abordar os conceitos de inclusão e acessibilidade nos equipamentos culturais da cidade de São Paulo.

Figura 2 – Mulher boliviana em apresentação cultural na Feira da Kantuta, São Paulo. Foto: Ricardo Miyada.

Durante todo o ano de 2017, o Programa de Acessibilidade do Instituto Tomie Ohtake se voltou ao território do Canindé como área de atuação. Localizado no distrito do Pari, da borda Leste do centro expandido da cidade, o bairro conta com todo um aparato de Serviços de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo, contabilizando cerca de 10 unidades de serviços, entre postos de saúde, escolas e centros de convivência e acolhimento para pessoas desabrigadas, além da comunidade que ali vive. A região abriga comunidades expressivas de nordestinos, bolivianos e diversas nacionalidades do continente africano, entre outros.

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Pensando em toda essa diversidade de pessoas e nas relações tecidas tanto entre esses indivíduos quanto entre as instituições sediadas na região, o Expresso Acesso surge não só com o objetivo de proporcionar o acesso gratuito à cultura institucionalizada, mas também como forma de reconhecer o próprio território do Canindé como um território cultural, promovendo a valorização do bairro e de sua população.

Começamos o projeto pensando no percurso entre o Canindé e o Instituto Tomie Ohtake, percurso que muitos de nós da equipe fazíamos quase que diariamente em razão das atividades desenvolvidas no território. O que poderíamos encontrar entre essas ruas e bairros? Quais instituições culturais e outros espaços públicos poderiam ser integrados? Como esses espaços serviriam ao exercício da educação, cidadania e democracia?

Figura 3 – Biblioteca São Paulo, um dos parceiros do Instituto Tomie Ohtake e ponto de parada da linha Expresso Acesso. Foto: Ricardo Miyada.

Com base nesses questionamentos, chegamos aos sete pontos de parada da linha de ônibus: (1) Complexo Canindé, (2) Praça Kantuta, (3) Parque da Juventude e Biblioteca São Paulo, (4) Pinacoteca de São Paulo, (5) Museu de Arte Contemporânea da USP e Parque Ibirapuera, (6) Centro Cultural São Paulo e (7) Instituto Tomie Ohtake.

Figura 4 – Placa de sinalização do Expresso Acesso na Praça Kantuta. Foto: Ricardo Miyada.

 O desafio de tirar o Expresso Acesso do papel foi enriquecedor. Trabalhamos com uma equipe transdisciplinar, engajada na proposta do projeto. Engenheiros de tráfego, motoristas, produtores, jornalistas, designers, assistentes sociais, aprendizes etc. Foram meses de testes, ajustes de horários, acompanhamento e revisão de rotas, design de comunicação e sinalização e formação de parcerias institucionais, entre outras atividades. Mais de 200 viagens ao longo de 8 meses, que resumidamente podem ser vistas em um vídeo de divulgação do projeto (https://www.youtube.com/watch?v=rJkuYwKB9z4). O Expresso Acesso foi operacionalizado de maio a dezembro de 2017, todos os domingos, entre as 11 horas da manhã e as 6 da tarde, com saídas regulares do Território Canindé e do Instituto Tomie Ohtake.

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Figura 5 – Momento de embarque dos passageiros nas vans do Expresso Acesso, em frente ao Complexo do Canindé. Foto: Ricardo Miyada.
Figura 6 – Adesivo de identificação dos usuários do Expresso Acesso. Foto: Ricardo Miyada.

Toda a concepção do projeto foi pensada na tentativa de tornar o transporte o mais acessível possível. As vans e micro­‑ônibus que faziam o percurso comportavam até 13 passageiros por viagem, contavam com recursos de acessibilidade, como espaço para cadeirantes, impressos com todas as informações para os usuários, bem como um áudio sobre o trajeto, pontos de parada e horários, com versões em português e espanhol. O transporte era utilizado por pessoas da comunidade do Canindé, usuários e funcionários dos Serviços de Assistência Social, bem como por outros públicos de maneira espontânea, como meio de se locomover pela cidade e visitar esses aparelhos culturais gratuitamente, uma vez que os usuários do transporte recebiam uma identificação ao embarcar e, assim, tinham isenção de ingresso nas instituições.

Mas, para além da operacionalização e planejamento, quais outras questões permearam o projeto? Qual a importância de abordar mobilidade urbana e repensar nossos museus e instituições para que sejam realmente acessíveis?

Figura 7Folder do Expresso Acesso, com mapa do trajeto e instituições próximas. Design: Julia Paccola.

De acordo com a pesquisa Cultura SP: Hábitos culturais dos paulistas, organizado por João Leiva em parceria com a DataFolha, publicada pela TUVA Editora, o costume de frequentar instituições culturais aumenta de acordo com a proximidade dessas populações em relação a elas. Pessoas que vivem mais próximas ao centro de São Paulo estão mais propensas a conhecer e usufruir desses equipamentos do que moradores da periferia ou de municípios metropolitanos, onde a oferta é consideravelmente menor e o deslocamento maior e mais caro. Segundo o autor José Toledo, cerca de 34% dos habitantes da cidade de São Paulo dizem não frequentar equipamentos culturais por conta da longa distância percorrida até esses locais. Se aumentarmos a abrangência da pesquisa para a região metropolitana, 59% dizem já ter frequentado atividades culturais fora de suas cidades no último ano, enquanto os outros 41% alegam nunca ter frequentado uma atividade cultural (Toledo, 2014).

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Tendo isso em vista, é fundamental o papel que as instituições culturais brasileiras têm de promover o acesso à cultura em suas cidades. É imprescindível que esse tema seja abordado não só a partir da aquisição e retenção de público, ou de facilitação de acesso, como entradas gratuitas, mas também endereçando questões como mobilidade urbana e direito à cidade.

Trazer projetos e ações inclusivas para os equipamentos culturais é admitir o papel social que essas instituições adquirem no contexto contemporâneo brasileiro. É atuar ativamente na formação do conhecimento, no fortalecimento da cidadania e no respeito à diferença. É trazer o público para a construção participativa do sentido da cultura por meio de suas vivências e subjetividades, e, em última instância, é abraçar a ideia de cultura como um direito fundamental inalienável e acreditar no potencial transformador da arte.

Referências

TOLEDO, José Roberto. Mobilidade: tudo depende da geografia. Ou não? In: LEIVA, João (Org.) Cultura SP: hábitos culturais dos paulistas. São Paulo: Tuva, 2014. p.117.

Capa

Rede de Redes – diálogos e perspectivas das redes de educadores de museus no Brasil

Sumário Ficha Técnica