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Um olhar para a Mediação Cultural no Sesc São Paulo

Resumo

O presente artigo resulta de uma apresentação realizada no Sesc 24 de Maio em agosto de 2017, por ocasião do segundo encontro da Rede de Educadores de Museus (REM­‑SP), organizado pela Rede em parceria com o Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc. Pretende­‑se apresentar um olhar recortado sobre a ação em mediação cultural no Sesc São Paulo, considerando seus aspectos em sentido ampliado a partir das diversas frentes de atuação da instituição e em sentido específico, sublinhando a ação educativa em artes visuais com base nas exposições em cartaz nas unidades da rede.

Palavras­‑chave

Mediação Cultural; Arte­‑educação; Educação; Ação Educativa, Sesc­‑SP.

Introdução

O presente artigo é resultado de uma apresentação realizada no Sesc 24 de Maio em agosto de 2017 por ocasião do segundo encontro da Rede de Educadores de Museus (REM­‑SP), organizado pela Rede em parceria com o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc. O conteúdo desta mesa pretendia trazer à tona as práticas adotadas pelo Sesc São Paulo à luz das discussões contemporâneas sobre mediação cultural, sobretudo relacionadas às artes visuais. Assim, o objetivo do texto é expor as discussões realizadas naquele momento de maneira sistematizada, acrescido de novas reflexões pertinentes à área.

Considerando que a instituição tem no cerne da sua ação a missão educativa, e que as suas realizações se dão em diversas frentes de atuação, seja na produção e difusão de ações artísticas e culturais, seja pelo desenvolvimento esportivo, ou ainda pelas atividades relacionadas ao lazer, meio ambiente, saúde, turismo, cidadania, diversidade etc., apresentar o trabalho em mediação cultural é um desafio; além disso, é improvável que dê conta da complexidade e abrangência de atuação da entidade.

Diante desse contexto, o conteúdo foi dividido em duas etapas: a primeira, que pretendia esclarecer o entendimento sobre mediação em sentido amplo, trazia o resumo de um estudo desenvolvido por um Grupo de Trabalho, do qual eu também fiz parte, formado por representantes das diversas áreas de atuação da instituição, passando por setores técnicos, administrativos e de comunicação, contando ainda com a contribuição de pessoas advindas das unidades operacionais, e cujo conteúdo foi exibido na mesa “Mediação e Educação Permanente” no Encontro Internacional Públicos da Cultura, realizado em novembro de 2013 no Sesc Vila Mariana.

Esse estudo pretendia fundamentar a importância central conferida pelo Sesc às práticas de mediação, legitimando­‑se como uma instituição socioeducativa e vinculando esse conceito ao primado da cidadania e ao valor da diversidade. O diverso, nesse caso, explicita­‑se não só nas inúmeras áreas do conhecimento em que a entidade atua, mas também na multiplicidade de agentes mediadores que abrange profissionais, materiais e espaços adequados, além do diálogo com os públicos heterogêneos.

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A segunda etapa do encontro buscou conceituar o entendimento sobre mediação em sentido específico, nesse caso, vinculado às práticas voltadas às artes visuais, em especial aquelas desenvolvidas no contexto das exposições em cartaz nas diversas unidades da rede Sesc. Nesse ponto, intencionava­‑se aproximar a atuação da instituição aos demais espaços de exposição, como Museus, Galerias e Centros Culturais, aprofundando as discussões sobre as ações educativas historicamente vinculadas ao contexto museal.

Compondo a dinâmica da apresentação, foi proposta ao final uma visita à mostra São Paulo não é uma cidade, com curadoria de Paulo Herkenhoff e co­‑curadoria de Leno Veras, em cartaz naquela ocasião no espaço expositivo da unidade 24 de Maio. Para a visita, foram disponibilizadas questões disparadoras que pudessem suscitar um olhar mais direcionado e cujas discussões seriam abertas para o grupo ao final do encontro.

Vale ressaltar que, apesar de imbuído da premissa e de valores institucionais que permeiam cotidianamente o meu trabalho, este texto representa, de maneira bastante particular, um olhar recortado sobre a ação em mediação cultural no Sesc São Paulo, sem pretender ser a voz da instituição para essa questão.

Mediação no Sesc São Paulo – Grupo de Trabalho

Se para o Sesc “cultura e educação” é um binômio indissociável, agregar a essa ideia a noção de educação permanente torna toda ação desenvolvida, seja a realização de uma atividade, seja a contratação de um colaborador, ou ainda a construção de um espaço, uma oportunidade intencional de ir além da sua natureza em si, mas também de proporcionar um processo de educação global que extravasa os limites tradicionalmente impostos às práticas educativas, para além dos espaços e momentos criados com esse objetivo.

Assim, é possível observar processos de mediação ocorrendo nas diversas esferas de atuação da instituição. Embora a mediação tenha especificidades quando da realização de uma exposição, por exemplo, ou no contato com uma faixa etária específica, determinados vetores são denominadores comuns a essas várias instâncias, e que se referem, portanto, à mediação no Sesc como um todo.

É importante explicitar que há características transversais do trabalho de educação permanente no Sesc que perpassam não somente a criação de uma pluralidade de camadas de mediação, mas também a multiplicidade de áreas nas quais a mediação pode estar presente. Essas duas características transversais convergem para uma acepção expandida de mediação.

Para compreender esse sentido amplo de mediação, precisamos nos deter rapidamente na concepção de educação permanente. Trata­‑se de uma noção de educação que parte da compreensão de que os processos educativos se desenvolvem para além do ambiente e da lógica escolar, na direção de sua permanência e seu espalhamento.

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As ações educativas, assim, fazem sentido quando imersas no processo social. Essa abertura para o mundo se reflete na preferência pelo diálogo e pela construção coletiva de conhecimentos. A educação permanente se efetiva em três dimensões principais: a complementaridade em relação à educação formal; a continuidade, ou seja, para além da idade escolar, estendendo­‑se por toda a vida; e a não formalidade, quando evoca o caráter espontâneo e vivencial da educação permanente, sugerindo proposições potencialmente críticas e inovadoras.

Dessa maneira, podemos dizer que ao se referir à mediação em sentido ampliado, ela se confunde com o próprio funcionamento do Sesc e sua atuação cotidiana. Para elucidar essa presença constante, criou­‑se uma espécie de mapa (Figura 1) que busca apresentar as diversas conexões entre as áreas e as possíveis camadas de mediação.

Figura 1 – Mapa Mediação no Sesc SP.

Como ponto de convergência principal está o que chamamos de “objeto cultural”, entendendo esse termo como a ação finalística do Sesc, que pode se materializar na realização de uma exposição, de um espetáculo, de um show, de um jogo de basquete, ou ainda no tratamento odontológico ou nas refeições servidas nas comedorias da rede.

Na primeira linha à direita, destacada em lilás, estão os agentes mediadores diretos, ou seja, as pessoas envolvidas diretamente no processo de mediação e diálogo com o público. Na primeira camada, mais distante do objeto cultural, localizada na extrema direita da linha, estão os profissionais ligados aos setores de atendimento: orientadores de público que podem estar nas centrais de atendimento fazendo matrícula ou vendendo ingressos, nos elevadores como ascensoristas, nos espaços auxiliando o fluxo das pessoas, entre outras funções na relação direta com o público. Entendendo que o Sesc tem como um valor o acolhimento, e que esses profissionais são, em geral, o primeiro contato que o público tem ao adentrar uma unidade, a sua atuação é fundamental, de maneira a garantir um processo inicial de mediação e educação permanente. Para além do acolhimento, cujo impacto é preponderante na relação que o visitante terá posteriormente com o objeto cultural, esses profissionais podem também dar início ao processo de mediação quando da disponibilização de informações e questionamentos sobre o objeto cultural, mesmo que de maneira superficial.

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Na segunda camada, ainda na mesma linha, estão os educadores. São os diversos profissionais que atuam na mediação direta entre o público e o objeto cultural. É nesse lugar, principalmente – mas não só –, que acontece de maneira essencial o que chamamos de “mediação em sentido específico”, e que será tratado neste artigo mais adiante. Esse trabalho requer noções específicas no que se refere tanto às metodologias pedagógicas, como ao aprofundamento de conteúdos determinados. Para exemplificar quem são essas pessoas, podemos citar os educadores dos programas infanto­‑juvenis como Espaço de Brincar, Curumim e Juventudes; os instrutores de atividades físicas; os educadores dos Espaços de Tecnologias e Artes; os agentes ambientais, ou ainda os educadores das exposições. Cada uma dessas atuações exige formação específica, bem como o desenvolvimento de estratégias de mediação com recorte particular.

Na linha à esquerda do objeto cultural, destacados em azul, estão os aspectos espaciais. Na extrema esquerda, a primeira camada se refere à arquitetura das unidades. Entendemos que a forma como a arquitetura de uma unidade do Sesc é pensada e seus espaços são organizados determina a relação que o público terá com o objeto cultural e, portanto, atua como uma primeira camada de mediação.

Na sequência, os aspectos físicos próximos ao objeto cultural, seja em termos de organização espacial ou da identidade visual, carregam mais uma camada de informações que impactam a ideia de educação permanente proposta pela instituição. Ou seja, a escolha de uma apresentação de teatro, por exemplo, em um espaço aberto como uma área de convivência ou em uma sala de espetáculos com palco italiano, atende não somente a uma adequação de espaço à linguagem de determinada companhia, mas também às possibilidades educativas que essa escolha traz na relação com o público. Uma exposição com várias entradas e saídas, iluminada com luz geral, traz informações diferentes de uma exposição com fluxo mais ou menos determinado, composta por uma luz dramática, onde a relação do visitante com as obras se dá de outra maneira. Uma mesa de oito lugares na comedoria, para além de uma opção estética, atende a um dos valores essenciais da instituição, que é a possibilidade de socialização entre os frequentadores.

Dando sequência à demonstração do mapa, temos a linha destacada em azul claro, que trata dos aspectos da comunicação. Seguindo do macro para o micro, temos em primeira instância os materiais de comunicação e divulgação, que podem ser desde flyers, folders e anúncios, até programas, catálogos e materiais de mediação propriamente ditos. Prezam­‑se de maneira pormenorizada as escolhas efetuadas para a composição desses materiais, seja pela escolha das imagens, dos textos, dos formatos etc. Tudo o que se comunica ao público ganha caráter educativo. Em relação à comunicação nos espaços internos, que se relaciona de maneira direta também com a arquitetura, a sinalização busca atender a todos os públicos e sua circulação pela unidade deve se dar da maneira mais fluida possível, facilitando seu acesso ao objeto cultural.

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Na segunda linha vertical, à direita, constam no mapa as esferas que fogem ao controle da instituição, mas que impactam a relação do público com as programações, com os espaços, com os conceitos presentes na ação do Sesc e que devem ser considerados dentro da ideia de mediação em sentido ampliado. São eles os “outros públicos” que atuam no famoso “boca a boca”, ou seja, o próprio público mediando o objeto cultural entre si. A mídia, por meio da sua cobertura jornalística e crítica especializada, leva ao público não somente informações sobre os variados objetos culturais, mas também pode influenciá­‑lo a partir de análises, avaliações, pareceres etc. E por fim, a relação que cada unidade mantém com a comunidade vizinha e o poder público também infere camadas de mediação entre o público frequentador e o objeto cultural.

Agregando de maneira global todas essas esferas, não podemos deixar de considerar em todas as ações desenvolvidas o contexto cultural amplo que modifica as relações descritas acima pelas condições sociais, econômicas e históricas vividas em cada momento. Não só as estratégias de mediação podem ser modificadas considerando o contexto, mas o próprio objeto cultural se relaciona diretamente com ele, sem ignorar a ação da instituição com o ambiente externo.

Assim, a mediação em sentido ampliado para o Sesc reúne principalmente, e de maneira resumida, um olhar cuidadoso para os processos determinados e específicos para cada ação e o fortalecimento das relações humanas, seja pelo esforço constante de capacitação das equipes ou pela consolidação dos valores institucionais e pela adequação dos espaços para que os processos educativos se tornem presentes cotidianamente.

Permeando tudo isso, elencamos valores comuns a todas as frentes de atuação da entidade, como o acolhimento, a sociabilidade, a afetividade, a autonomia e o respeito à alteridade. Como objetivos principais da ação, definimos a liberdade de escolha, que pode ocorrer por meio da ampliação de repertório e pela ampliação de um olhar sensível e crítico não só em relação ao objeto cultural, mas principalmente à vida cotidiana.

Mediação em sentido específico – Artes Visuais

Embora a discussão sobre mediação cultural tenha ganhado nos últimos anos um caráter mais amplo, corroborando o entendimento do Sesc por meio daquele Grupo de Trabalho sobre as variadas camadas e possibilidade de atuação, esse trabalho é historicamente vinculado às ações educativas dos museus e demais espaços de exposição, sejam de artes visuais, científicos ou históricos. Assim, as ações educativas realizadas nas exposições da rede Sesc não só bebem diretamente dessa fonte histórica, mas também têm se aproximado de maneira bastante efetiva das discussões contemporâneas e das problematizações que a área vem sofrendo atualmente.

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A ideia de museu – sobretudo a de acervo – está ligada intimamente ao desejo humano de colecionar, o que requer a separação, classificação e salvaguarda de objetos, documentos e imagens que se julgou importante para contar a história da humanidade. Embora existam relatos como o do Mouseion de Alexandria, que data do século III a.C. e ficava na cidade grega de Atenas, funcionando como um “templo de devoção às musas e de discussão filosófica” (Martins et al., 2013, p.12), uma grande parte das coleções de que se tem notícia ficava restrita aos seus donos, que poderiam ser religiosos, senhores feudais, nobres, militares e intelectuais, sem que o público tivesse acesso.

Antes que os chamados “museus” fossem abertos à visitação do público, por volta do século XVIII – o Louvre, na França, é um dos primeiros a abrir suas portas, assim como o Museu Britânico, na Inglaterra –, sua função era associada exclusivamente à salvaguarda e à exposição das peças para pesquisadores e especialistas. À medida que o público começa a ter acesso a esses espaços, surgem também as primeiras iniciativas voltadas à educação patrimonial, que em princípio estavam vinculadas às questões de conservação e preservação dos bens culturais, e mais tarde, baseadas no entendimento de que objetos históricos ou de arte, documentos, imagens etc. seriam fonte de conhecimento da memória e da história de certa cultura, mesmo que restrita a uma narrativa construída sob determinado ponto de vista.

A primeira e principal forma de comunicação com o público é justamente a organização dos objetos por meio de exposições, que no início eram exageradamente carregadas de objetos, pois o entendimento era de que a quanto mais objetos o público – considerado incapaz – pudesse ter acesso, mais fácil seria a transmissão do conteúdo. Muitas vezes, tal conteúdo era disposto de forma linear e narrativa.

De acordo com Martins et al. (2013, p.15), “A partir do século XIX, o papel educacional dos museus se intensificou, levando esses locais a modificarem ou criarem estratégias para facilitar a comunicação com o público. Dentre elas, a seleção dos objetos que deveriam compor a exposição, o aumento do espaço entre os objetos para permitir a sua observação, separadamente, e a introdução de legendas com informações sobre o objeto”.

As primeiras experiências de que se tem notícia, no Brasil, do que mais tarde se convencionou chamar de mediação cultural, são do Museu Nacional do Rio de Janeiro, ainda na década de 1920, e estavam ligadas ao ensino de História. Em São Paulo, o Museu Paulista conquistou importante marca ao relacionar seu acervo a uma narrativa em torno da ideologia da constituição de uma identidade nacional.

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Os museus de arte vão se aproximar do trabalho de educação em meados do século XX, tendo como precursores a educadora Suzana Rodrigues, que em 1948 criou o Club Infantil de Arte no MASP, com foco voltado para a livre expressão, e o museólogo alemão Wolfgang Pfeiffer, que em 1953 criou o primeiro curso para monitores na Bienal Internacional de São Paulo, com base no estudo de história da arte.

De lá para cá, muitas outras instituições brasileiras abriram, cada uma à sua maneira, os chamados setores educativos, com atuação voltada – não exclusivamente, mas em grande parte – para visitas de grupos, e em geral de escolares, às exposições em cartaz. Parte desse processo de ateve, ora a criar um discurso civilizatório de formação cultural de uma massa considerada inculta, por meio dos bens produzidos por uma elite social, ora a “explicar” – e muitas vezes, convencer – o público dos conceitos abordados, por exemplo, pela produção contemporânea, considerada hermética e de difícil compreensão.

Atualmente, as discussões em torno da mediação cultural focalizam uma nova perspectiva. Suplantada a necessidade – ou a ilusão da necessidade – de “explicar” as obras de arte (contemporâneas ou não) para o público, a mediação cultural poderia vislumbrar a liberdade de atuação, a despeito do vínculo estrito com a obra em si, tendo como ponto fundante o campo da educação, terreno fértil para problematização e posicionamento político diante da vida.

Nesse sentido, o educativo é necessário não somente na relação com a arte contemporânea – pressupondo que essa produção seria mais difícil de compreender –, mas na abordagem de obras de qualquer período, bem como da produção erudita ou popular. Mais do que democratizar o acesso, a ideia é usar o espaço de exposição como território de construção de saberes.

Reforçando essa ideia, a concepção adotada pelo educador e pesquisador Ney Wendell sobre mediação cultural vai ao encontro do que a rede Sesc tem adotado como prática nas suas ações: “A mediação cultural é um processo artístico­‑pedagógico que integra o público e a obra artística. Assim, ao estimular o potencial e a participação criativa do espectador, é possível desenvolver a sua percepção, amplificar os seus sentidos e estabelecer um diálogo mais organizado com a obra”.

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Embora de maneira bastante sucinta, esse trecho revela de maneira pormenorizada diversos aspectos importantes para o entendimento e prática do trabalho de mediação cultural na relação com as artes visuais. O primeiro a se observar é a definição de que se trata de um “processo artístico­‑pedagógico”. Ao associar esses dois conceitos como num binômio, Wendell reforça o caráter híbrido da ação. O trabalho desenvolvido em torno de um objeto cultural e realizado por educadores especialmente destacados para tal função assume um cunho de ação artística na medida em que se apropria dos códigos próprios da linguagem e discute determinados temas ou conceitos de maneira poética. Para tanto, os educadores podem, vez ou outra, lançar mão de intervenções, performances, oficinas, contação de histórias, canções, cortejos e demais formatos comumente ligados à produção de arte. Porém, para não se sobrepor à própria obra exposta, é importante salientar o caráter pedagógico da ação, que contribui para o estabelecimento de objetivos, a organização dos processos, a definição das estratégias e as variadas camadas de avaliação do trabalho como um todo.

O autor propõe também uma integração do público com a obra artística, ou seja, é possível considerar que toda obra de arte, de alguma maneira, seja reconhecida pelo público, não necessariamente como foco de atenção ou sentido, mas também de estranhamento ou questionamento. A aproximação ou a discussão sobre o distanciamento com a arte é também argumento para o trabalho de mediação cultural.

Wendell usa nesse texto o verbo “estimular”, que representa uma escolha bastante acertada no que diz respeito às novas práticas de mediação cultural. Ao desenvolver uma ação pedagógica – diante de uma exposição, por exemplo –, o papel do educador, em última instância, é o de criar condições adequadas para a fruição e a aprendizagem de determinados conteúdos, bem como a reflexão e problematização de assuntos variados. Assim, “estimular” ganha um caráter mais democrático e parece mais adequado porque não direciona para um sentido obrigatório.

Na sequência da sentença “estimular o potencial e a participação criativa do espectador”, o pesquisador também toca em dois pontos cruciais para o trabalho de mediação cultural na atualidade. O primeiro é o reconhecimento do potencial do espectador, ou seja, é a legitimação de que cada pessoa possui repertório e vivências que a habilitam a se relacionar, a priori, com qualquer tipo de produção artística, independentemente de sua formação, faixa etária ou outras características pessoais. O segundo ponto indica que a participação não é uma mera cooperação ou interação com uma obra de arte ou situação de mediação. Ao qualificar a participação como “criativa” o autor sugere que o espectador contribua de maneira efetiva para a discussão a partir de suas próprias reflexões, articulações, conexões, sensibilidades e pensamento crítico.

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Ao finalizar a frase com a possibilidade de “desenvolver a sua percepção, amplificar os seus sentidos e estabelecer um diálogo mais organizado com a obra”, Wendell direciona os objetivos do trabalho, que passam pelo caráter sensível não somente ao criar condições de fruição do espectador e garantir os possíveis encontros afetivos em torno da arte, mas também ao assegurar que os conteúdos contextuais possam se fazer presentes nesse trabalho. Ou seja, todas as informações pragmáticas acerca de um trabalho de arte – que podem ir desde a técnica empregada, a data ou o movimento ao qual aquela obra pertence, até a biografia do artista, o contexto social, econômico e cultural, entre outros aspectos – podem contribuir, quando significativas, para a discussão em torno de um trabalho de arte ou exposição.

Considerando essas premissas como parte do trabalho desenvolvido em mediação cultural relacionado às artes visuais no Sesc São Paulo, é possível definir a gestão dessas ações como práticas ou conjunto de realizações intencionais que propiciem um processo de ensino­‑aprendizagem de determinado conjunto de conhecimentos ou competências a partir das exposições em cartaz ou do Acervo Sesc de Arte Brasileira, que se encontra distribuído nas diversas unidades da rede, contribuindo para o incremento crítico, intelectual e sensível do participante.

Para o alcance desses objetivos são lançadas estratégias variadas, como: as tradicionais visitas mediadas, que atendem grupos agendados, em sua grande maioria de estudantes, cujas escolas mantêm parceria com as unidades da instituição; oficinas práticas que podem ser realizadas durante a própria visita no espaço expositivo quando a expografia contempla espaços de ateliê ou em salas de oficinas apropriadas para tais práticas; a confecção de jogos, que funcionam como recursos lúdicos e pedagógicos; ações poéticas que se relacionam com a exposição em cartaz (performances, intervenções visuais, sonoras, literárias etc.); vivências, que se caracterizam pela criação de experiências diversas com o público, entre outras ações cuja criação, desenvolvimento e aplicação se dão de maneira coletiva e colaborativa entre os educadores contratados especificamente para cada projeto.

Contemplados ainda no trabalho de mediação cultural desenvolvido a partir das exposições estão os chamados Programas Públicos e Programação Integrada. Os Programas Públicos, em geral, são ações vinculadas diretamente ao discurso curatorial e objetivam ampliar e aprofundar a narrativa proposta para além das obras escolhidas que compõem a exposição. São realizados cursos, palestras, encontros, seminários e conferências, entre outros. Para a Programação Integrada são propostas atividades que orbitam o discurso curatorial, mas não se relacionam diretamente com a exposição. Podem ser realizados espetáculos de música ou de teatro, além de outros cursos e oficinas que tangenciam o assunto abordado pela curadoria.

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Permeando todas essas ações de maneira transversal, há uma preocupação constante, ainda que de maneira tímida, em oferecer recursos de acessibilidade para todos os públicos. Assim, em maior ou menor escala, as unidades da rede Sesc tentam disponibilizar, sempre que possível, recursos acessíveis para o público com deficiência visual, como pranchas e objetos táteis, ou deficiência auditiva, como tradução em libras realizada por educadores surdos ou intérpretes especialmente contratados para tal. Pontualmente, são oferecidas também ações que contemplam as pessoas com algum tipo de deficiência cognitiva. E de maneira geral, todas as exposições são acessíveis para qualquer pessoa com mobilidade reduzida, seja a pessoa em cadeira de rodas ou aquelas com alguma dificuldade de deslocamento.

Para a realização dessas diversas atividades, o Sesc São Paulo contrata estagiários e profissionais que compõem a equipe educativa das exposições para atuarem como educadores ou supervisores educativos conforme a necessidade. Além disso, são contratados diversos outros profissionais que auxiliam na coordenação dos programas educativos sob orientação e gestão das equipes das unidades. Para os Programas Públicos e Programação Integrada são convidados artistas, pesquisadores e professores, entre outros profissionais que se relacionam com o tema abordado e podem contribuir com sua experiência e atuação na área.

Assim, ainda que todo o desenvolvimento desse trabalho possa ser classificado como “mediação em sentido específico”, há um amplo espectro de ações que podem fazer parte desse contexto. Aliada a isso está a preocupação constante de tornar o trabalho o mais dialógico e democrático possível, considerando as demandas trazidas cotidianamente por todos os públicos.

Considerações finais

A gestão do trabalho de mediação cultural presente na ação do Sesc requer, para além da formulação de projetos, organização logística, definição de públicos e contratação de colaboradores, entre outras tarefas pertinentes, um olhar contextual e conceitual para a natureza dessas práticas. Dessa maneira, a ideia de educação permanente trazida para a relação com os variados públicos está presente também na reflexão constante sobre os processos adotados, por meio de um olhar crítico e sensível, de maneira a garantir a qualificação do trabalho desenvolvido.

Nesse sentido, a pergunta que mais se faz presente na reflexão sobre as práticas é: “Qual é o lugar da mediação?”. Se a “explicação” da obra de arte já não é mais o foco de atenção, se os repertórios individuais são sempre considerados na relação com uma exposição, se o diálogo é mais efetivo que uma “palestra”, qual é o papel dos educadores e educadoras no encontro com o público? Por ora, entendemos que o trabalho de mediação cultural preenche um espaço de construção de saberes coletivo e que ele se dá a partir de diferentes camadas alicerçadas à medida que façam sentido para todos os envolvidos, sejam os públicos, os educadores e educadoras, seja para a própria instituição.

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Para a complexa tarefa que se coloca diante das instituições, outros desafios são constantemente debatidos: Quais são as barreiras invisíveis, físicas e/ou simbólicas com que o público pode deparar ao visitar uma exposição? Como promover o sentido de pertencimento do público no encontro com a arte? Como manter a relação individual e com todos ao mesmo tempo no atendimento a grupos agendados, por exemplo? Como legitimar o papel do educador ou educadora numa possível co­‑curadoria da exposição? Como ir além da visita?

Essas e outras questões se fazem presentes cotidianamente na construção da ação educativa desenvolvida a partir das exposições em cartaz na rede Sesc, mas que se espraia também para outras áreas da instituição, considerando o caráter transversal da ação à luz do seu comprometimento com os processos de educação permanente.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

MARTINS, Luciana C. et al. Que público é esse? Formação de públicos de museus e centros culturais. São Paulo: Percebe, 2013.

WENDELL, Ney. Mediação cultural: estratégias para formação de público. (Conferência). Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2013. Disponível em: https://www.facebook.com/events/209890769193722; acesso em: 13 jan. 2018.

Capa

Rede de Redes – diálogos e perspectivas das redes de educadores de museus no Brasil

Sumário Ficha Técnica