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O Cadastro Estadual de Museus de São Paulo (CEM­‑SP) e a Educação em Museus

Resumo

O texto apresenta o Cadastro Estadual de Museus de São Paulo (CEM­‑SP), que tem a atribuição de realizar o cadastramento das instituições de caráter museológico do estado, sistematizar informações confiáveis sobre elas, subsidiar pesquisas e dar visibilidade às instituições museológicas paulistas. O CEM­‑SP representa um passo importante na construção de um setor museológico fortalecido e amplamente difundido entre o público, na perspectiva da democratização do acesso e do pleno exercício dos direitos culturais dos cidadãos paulistas.

Palavras­‑chave

Sistema Estadual de Museus de São Paulo (SISEM­‑SP); Cadastro Estadual de Museus de São Paulo (CEM­‑SP); Museus.

O Sistema Estadual de Museus de São Paulo (SISEM­‑SP) – o mais antigo sistema estadual do país –, criado em 1986 no âmbito da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, tendo entre as suas principais atribuições a promoção, a articulação e o desenvolvimento técnico dos museus paulistas, já trazia no seu decreto de criação a atribuição de realizar o cadastramento das instituições de caráter museológico, cuja atuação em rede em território paulista, à época ainda bastante incipiente, desde então se consolida de forma progressiva e contínua.

Muito além de ser uma exigência normativa, a criação do Cadastro Estadual de Museus de São Paulo (CEM­‑SP) é também uma necessidade, dada a sua função precípua de sistematizar informações confiáveis dos museus paulistas, subsidiar pesquisas, dar visibilidade às instituições museológicas paulistas e, assim, desempenhar papel essencial para embasar políticas públicas, entendido como uma ferramenta de gestão de políticas setoriais direcionada para a preservação e a difusão do patrimônio museológico paulista e, por consequência, em favor da valorização da memória e da cidadania cultural.

A concepção e a estruturação do CEM­‑SP, entretanto, demandariam o enfrentamento de questões conceituais de natureza diversa, a começar pela própria percepção do museu como equipamento cultural, a partir das prerrogativas técnicas determinadas pela responsabilidade institucional de quem abriga, produz conhecimento, difunde e comunica o patrimônio material e imaterial, até chegar à discussão de sua função social no contexto contemporâneo.

O mapeamento das instituições museológicas existentes no estado, realizado nos anos de 2009 e 2010, em parceria com a ACAM Portinari, nesse sentido, constitui­‑se como passo importante ao propiciar um diagnóstico qualificado do setor, com base em dados colhidos junto a 415 instituições públicas e privadas com atuação na área museológica, sediadas em 190 municípios paulistas.

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Com o amadurecimento e organização do campo museológico no país, que resultou na criação do Estatuto dos Museus (Lei federal 11.904/2009), e o avanço da política setorial de museus no âmbito da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, com a publicação do Decreto Estadual nº 57.035/2011, que instituiu instâncias participativas como a Representação Regional e o Conselho de Orientação do SISEM­‑SP, reuniram­‑se as condições conjunturais para se implantar um processo colaborativo de construção e implantação do CEM­‑SP, com base sólida para formular respostas minimamente condizentes diante dos múltiplos desafios impostos pela realidade brasileira e paulista.

Entre o acolhimento e sistematização de propostas para a discussão conceitual das bases metodológicas e as diversas etapas de construção do cadastro, como a definição de critérios de elegibilidade, identificação de distintos níveis de estruturação institucional, elaboração de formulários para coleta de dados, critérios de análises e o desenho de um fluxo operacional consistente, transcorreram 4 anos de atividades singularmente distinguidas por intensa participação, num processo que culminou com a realização de audiências públicas para validação metodológica, das quais participaram representantes do Icom, do Corem 4ª Região, do PPGMUS­‑USP e da REM­‑SP, dentre outros pesquisadores, dirigentes e trabalhadores de museus, coroando de forma dialógica a sua qualificação. Trata­‑se de uma trajetória ascendente, marcada por contribuições significativas, decorrentes do trabalho comprometido de muitos técnicos, gestores culturais e profissionais dos museus, amparados nos últimos anos por instâncias participativas, em especial o Grupo dos Representantes Regionais, constituído por representações de 16 Regiões Administrativas do Estado, e o Conselho de Orientação do SISEM­‑SP, no qual quatro de seus sete membros pertencem à sociedade civil, sendo dois deles eleitos, durante o Encontro Paulista de Museus, dentre os profissionais da área.

Em conformidade aos preceitos adotados pelo Conselho Internacional de Museus (Icom) e aos marcos legais existentes no ordenamento jurídico brasileiro, em especial o Estatuto dos Museus, a Resolução SC 059/2016, que instituiu o CEM­‑SP, considera aptos ao cadastramento “os equipamentos culturais caracterizados como instituições museológicas permanentes, sem fins lucrativos, que preservem e divulguem acervos culturais materiais ou imateriais em espaços abertos ao público para finalidade de estudo, pesquisa, educação e fruição, contando com quadro de pessoal para seu funcionamento”.

Ressalve­‑se que por esse balizamento, num primeiro momento, não foram incluídas entre as entidades habilitadas ao CEM­‑SP as iniciativas que se identificam, segundo o Estatuto dos Museus, como “processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades”. A opção metodológica, obviamente, não exclui a necessidade de formulação de diretrizes de atuação do Estado que, a seu tempo, contemplem políticas públicas para o fortalecimento desse segmento.

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Diante da diversidade dos museus paulistas, em relação tanto ao porte quanto à temática, como também em níveis de desenvolvimento institucional ou até mesmo de maturidade em suas relações com a comunidade, buscou­‑se consolidar um processo de cadastramento que, a um só tempo, ateste o pleno exercício das funções museológicas e ofereça um horizonte de aprimoramento contínuo para as instituições, incluindo aquelas que ainda se encontram em processo de estruturação museológica na perspectiva dos cânones convencionais.

Ao estipular os princípios conceituais que nortearam a escolha dos critérios regulatórios para adesão das instituições museológicas públicas e privadas ao cadastramento, mesmo sem abrir mão das especificidades próprias ao pleno exercício das funções pertinentes à cadeia operatória dos museus, o CEM­‑SP fundamentou­‑se de modo que as medidas não fossem exponencialmente excludentes. Daí a categorização das instituições em distintos níveis de registro: o Básico e Níveis 1, 2 e 3, integrando ainda em ordenamento à parte as instituições que se apresentam em trajetória de qualificação museológica, mas ainda não preenchem as condições de elegibilidade. A gradação proposta, contudo, não representa uma hierarquização em abstrato, na medida em que não cabe ao SISEM­‑SP julgar a relevância dos acervos mantidos por essas instituições enquanto indicadores de memória e, menos ainda, as relações construídas pelas práticas institucionais entre eles e seus públicos.

Dado o rigor metodológico adotado pelo CEM­‑SP, optou­‑se por facultar a adesão voluntária e franqueada às instituições que se reconhecem como museus, não obstante a aprovação do registro estar sujeita ao atendimento de parâmetros técnicos. Foram instituídos 19 desses parâmetros para suprir os critérios mínimos de elegibilidade previstos para o nível Básico, 29 para o Nível 1, outros 24 para o Nível 2 e mais 12 para o Nível 3, totalizando 84 parâmetros técnicos amplamente publicizados, que devem ser cumulativamente atendidos pelos museus e encontram­‑se ordenados nos formulários de coleta de dados em torno de três eixos programáticos: gestão e governança, salvaguarda de acervo e comunicação e serviços ao público.

Na área de interesse da Educação em Museus, alguns parâmetros estão referenciados transversalmente no eixo de Salvaguarda de Acervo, que abrange o amplo acesso a instrumentos de pesquisa, e no eixo Gestão e Governança, como a existência de organograma funcional que contemple os recursos humanos indispensáveis para o exercício das funções museológicas, inclusas aqui as ações educativas, plano museológico, pesquisa de perfil de público, programas para diversificação de públicos, acessibilidade física, pesquisa de satisfação de público para subsidiar a avaliação e aperfeiçoamento dos serviços prestados, além de processos curatoriais que envolvam a articulação das áreas técnicas, incluindo comunicação e educativo.

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No eixo Comunicação e Serviços ao Público estão incorporadas, obviamente, as especificidades mais diretamente pertinentes à Educação em Museus, como a oferta de ações educativas ou programa educativo implantado, existência de normas e diretrizes de atendimento ao público, programa de comunicação institucional, canais de comunicação e relacionamento com seus públicos, produção de materiais educativos, ações extramuros, programas e projetos estruturados para públicos diversificados (estudantes, idosos, pessoas com deficiência etc.), incluindo ações de acessibilidade comunicacional, além de instrumentos de avaliação específica das ações educativas desenvolvidas.

Idealizado como suporte de orientação ao preenchimento dos formulários de coleta de dados, o glossário técnico disponibilizado pelo CEM­‑SP estabelece­‑se como um vocabulário controlado para aplicação em museus que busca alinhar conceitos, imprimindo maior consistência e coerências às informações atinentes ao cadastramento e, no que diz respeito à Educação em Museus, discrimina e conceitua termos e expressões como Ação de formação, Ação educativa, Ação extramuros, Ação participativa, Acessibilidade, Acessibilidade comunicacional, Livro de tombo, Instrumento de controle de visitantes e Material educativo, dentre outras dezenas de verbetes utilizados no quotidiano dos museus.

Ao final, ainda que notórias, não é demasiado assinalar as implicações que advirão por conta da sistematização de dados relativos às ações educativas realizadas no conjunto de museus paulistas ao final da implantação do CEM­‑SP. Informações como total de público visitante de museus em todo o estado de São Paulo, diversidade de público atendido, tipificação das ações educativas mantidas em museus e número de profissionais atuantes em serviços educativos são alguns dos dados que poderão compor indicadores para subsidiar o planejamento, avaliação e monitoramento das políticas públicas para o setor, além de qualificar estudos e pesquisas sobre os museus paulistas no meio acadêmico, sem minimizar o aporte que o conhecimento mais aprofundado desse campo de atuação pode trazer tanto para o reconhecimento dos profissionais que atuam como mediadores/educadores, como para a visibilização do potencial de contribuição dos museus para a cadeia produtiva da economia criativa.

Com efeito, o cadastramento dos museus paulistas produzirá, ainda, um legado de valor inestimável para a abertura de um espaço de diálogo objetivando a construção de uma política setorial de museus que possa nortear as políticas públicas para as próximas décadas, materializando um passo efetivo para uma mudança de patamar na qualificação de ações direcionadas ao fortalecimento de centenas de instituições públicas e privadas que se dedicam à preservação e difusão do patrimônio museológico em território paulista.

O Cadastro Estadual de Museus de São Paulo, criado sob as premissas da transparência e da construção colaborativa, é, portanto, um passo importante na construção de um setor museológico fortalecido e amplamente difundido entre o público, na perspectiva da democratização do acesso e do pleno exercício dos direitos culturais dos cidadãos paulistas.

Capa

Rede de Redes – diálogos e perspectivas das redes de educadores de museus no Brasil

Sumário Ficha Técnica